Todas as civilizações clássicas acreditavam que o Estado fosse uma criação de Deus, e que os reis fizessem a vontade de Deus na terra. O rei era responsável só perante Deus; estava acima da lei e os súditos não podiam questioná-lo, pois isso significaria questionar (indiretamente) a vontade de Deus. A lenda diz, por exemplo, que Sargão, depois de ter vencido várias batalhas, “tomou a mão do deus Bel”, indicando que fora escolhido como rei legítimo da Babilônia. Os antigos egípcios acreditavam que o faraó fosse a encarnação do deus Hórus. O rei macedônico Alexandre, o Grande, se autoproclamou filho do deus egípcio Amon. Essa é a Teoria da origem divina do Estado.
Na Idade Média (e até os séculos 16 e 17), essa teoria se transforma na doutrina do direito divino dos reis: os monarcas estavam no poder porque tinham um direito divino, na medida do qual faziam a vontade de Deus na terra. Desobedecer, além de crime, era pecado. Até hoje o monarca do Reino Unido é rei “pela graça de Deus”.
Hoje nós, obviamente, achamos essas crenças ingênuas, místicas e primitivas. Afinal, somos modernos e racionais! Na verdade, é muito mais provável que se tratasse de heurísticas e narrativas das autoridades políticas para se autolegitimarem; que as pessoas realmente acreditassem nisso é muito dúbio.
Depois, chegaram os contratualistas. Hobbes escreveu influenciado pelo contexto histórico da guerra civil inglesa e queria explicar (entre outras coisas) que, sem uma autoridade superior, a sociedade vira a “guerra de todos contra todos”. Por isso, sugeriu o experimento mental de imaginar um “estado de natureza” sem Estado, para entender como seria uma sociedade anárquica. Locke discordou que o estado de natureza fosse tão dramático; imaginou que as pessoas conseguiriam se auto-organizar para a maioria das coisas, e que criariam o Estado de comum acordo só para ter um arbitro neutro. Segundo Rousseau, por fim, o estado de natureza é idílico e o ser humano é bom; é a sociedade que o corrompe.
Dessa forma, a legitimidade do poder político não vem mais da igreja. Essa teoria vira hegemônica e, hoje, nos ensinam que o Estado vem de um “Contrato Social”. Séculos depois, John Rawls simula o “véu de ignorância” e o Contrato Social vira uma escolha coletiva justa e racional. É por isso, por exemplo, que acreditamos que “o Estado somos nós” e que “o Estado visa o bem comum, o interesse nacional, o interesse geral”. O problema é que o Contrato Social é um experimento mental, uma simulação à qual recorre a filosofia política, não uma reconstrução histórica de fatos realmente ocorridos.
Na verdade, na historiografia e na ciência politica a explicação é outra: sabe-se que o Estado, factualmente falando, nasce da violência, da conquista e da guerra. Na obra O Estado, Franz Oppheneimer, com minúcia de detalhes históricos, mostra que, em todas as civilizações e todos os lugares do mundo, o Estado surge da pilhagem, de um bando em cima do outro; depois há uma trégua, sucessivamente os dois grupos se fundem territorialmente e socialmente, estabelece-se o monopólio de uma só autoridade política, e temos o Estado.
Na ciência política, o Estado é o bandido estacionário (a partir de um trabalho seminal de Mancur Olson): são grupos de bandidos nômades que pilham vários vilarejos até alguns ficarem sedentários ao lado de um vilarejo só, para saqueá-lo de forma regular e fazer um “pacto”, trocando a pilhagem regular por proteção contra outros grupos (em lugar de viajar e ter de guerrear e pilhar novas aldeias onde podem encontrar mais resistência).
Nesse mesmo sentido, Max Weber fala do “monopólio da força legitimizado” e até Norberto Bobbio fala da política como “o momento do domínio da coerção”.
Na verdade, em todos os países do mundo o Estado não surge de uma demanda da população, de um movimento pacífico e espontâneo de-baixo-para-cima, mas de conquista estrangeira, de guerras civis, de conquista, lutas armadas entre tribos, bandos e etnias etc. Depois de se estabelecer é que nascem as teorias para justificá-lo e legitimá-lo. Depois da dominação bruta, a legitimidade é fundamental, pois, sem ela, ninguém acreditaria e ninguém obedeceria.
Vivemos naquela que Bastiat chamava “a grande ficção, através da qual todo o mundo quer viver às custas de todo o mundo”. Um dia, a posteridade rirá do nosso Contrato Social, como nós rimos das teorias divinas do poder.
Símbolo da autonomia do BC, Campos Neto se despede com expectativa de aceleração nos juros
Toffoli se prepara para varrer publicações polêmicas da internet; acompanhe o Sem Rodeios
Novo decreto de armas de Lula terá poucas mudanças e frustra setor
Após críticas, Randolfe retira projeto para barrar avanço da direita no Senado em 2026
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS