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Governantes, legisladores, juízes: eles podem tudo, você não pode nada.
Governantes, legisladores, juízes: eles podem tudo, você não pode nada.| Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney

Investigações combinadas; usar um tribunal fora do rito, investigar uma pessoa e pedir já de cara para “usar a criatividade” e achar alguma coisa; ser vítima, investigador e julgador ao mesmo tempo; investigar e julgar em causa própria; não deixar que os processados tenham acesso aos autos; limitar os direitos da defesa; investigar, acusar e culpar pessoas por crimes que não existem; quebrar a imunidade parlamentar; abrir inquéritos infinitos, indefinidos, sem objetos e fatos específicos; iniciar inquéritos abertos indicando expressamente quem será o juiz responsável, quando o correto seria realizar um sorteio; ordens secretas. Tudo ilegal. Uma juíza constitucional, certo dia, até admitiu explicitamente que fariam uma censura inconstitucional.

Funcionários públicos que recebem acima do teto. Tudo ilegal. E não se trata de pouca coisa: um estudo do Centro de Lideranças Públicas (CLP), de 2023, mostra que esses pagamentos nos custam R$ 3,9 bilhões ao ano.

O impeachment da presidente Dilma Rousseff foi feito de forma que ela preservasse os direitos políticos, ainda que a Constituição seja clara e afirme que, com a cassação, os direitos políticos são perdidos. Tudo irregular.

O Estado exige de seus súditos obediência ao ordenamento jurídico. Mas muitas vezes é o Estado mesmo a não respeitar a legislação

A penalidade para juízes que eventualmente forem pegos vendendo sentenças é a simples aposentadoria compulsória, com direito a pensão vitalícia. Magistrado que comete ilegalidade será só aposentado. Imagine, leitor, a possibilidade de cometer uma ilegalidade em seu emprego e não ser processado, mas simplesmente demitido, recebendo seu salário pelo resto da vida!

Partidos que cometem irregularidades nas contas e nas campanhas eleitorais deveriam pagar uma multa, mas eles mesmos se concedem anistia – já perdemos a conta de quantas vezes isso aconteceu.

Em 2006, estourou o caso Palocci, no qual foi quebrado sigilo bancário do caseiro Francenildo para tentar demonstrar que ele estaria delatando os encontros muito pouco republicanos do ministro apenas porque estava sendo pago pela oposição. Ilegal, claro. E, mesmo assim, sabemos que quebras de sigilo bancário e telefônico são muito mais comuns do que chega ao grande público.

Em 2009, com o chamado “escândalo dos atos secretos”, foram descobertos vários atos de nepotismo do Senado, como extensão de assistência odontológica e psicológica vitalícia a cônjuges de ex-parlamentares.

Após a prisão de Eike Batista, em 2015, um juiz foi descoberto usando o Porsche apreendido do empresário. Alegou que o guardava na garagem de casa para protegê-lo do sol e da chuva. Quanto cuidado! Mas não ficou muito claro como ele acabou com a guarda de um piano e de outro carro de luxo do filho do acusado.

Em 2018, a prefeitura do Rio de Janeiro destruiu alguns pedágios da Linha Amarela enquanto desfez o contrato com a empresa de forma unilateral, pois considerava que a empresa havia cometido algumas irregularidades. Não acionou a Justiça: simplesmente agiu, fazendo justiça por conta própria. Tudo ilegal.

Emblemáticos foram os casos nos quais o governo sequestrava bois dos fazendeiros (por culpa do fracassado controle de preços) e confiscava a poupança dos brasileiros, algo completamente fora de qualquer cabimento.

Cotidianamente, em quase todos os países, policiais, militares, juízes e funcionários públicos comuns cometem abusos de poder e irregularidades que as pessoas nem denunciam por habito, descrença e medo. Os exemplos abundam e a lista ficaria infinita se incluíssemos desde os grandes problemas até os mais triviais. O ponto é que o Estado, muitas vezes, age de forma ilegal.

É um mito a ideia segundo a qual o Estado age sempre dentro da lei e por meio da lei. O Estado age por força de lei e dentro da lei só quando é obrigado

O Estado exige de seus súditos obediência ao ordenamento jurídico. Mas muitas vezes é o Estado mesmo a não respeitar a legislação. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo.” Ele cria a legislação e, quando não a respeita, geralmente não acontece nada. “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço!”

É um mito a ideia segundo a qual o Estado age sempre dentro da lei e por meio da lei.

O Estado age por força de lei e dentro da lei só quando é obrigado; o Estado de Direito é uma imposição a ele, uma limitação. Quando o Estado é mais forte, como nos sistemas ditatoriais, não precisa respeitar a lei e se basear nela; basta a ordem dada, muitas vezes só pela palavra. Em democracias fracas isso também pode acontecer. Hobbes já explicou que a lei não pode estar acima do Leviatã porque, se assim fosse, então não seria o Leviatã a comandar.

Hoje em dia muitos colegas juristas têm dificuldade de explicar legislações e decisões judiciais explicitamente em desacordo com o ordenamento jurídico. É porque o direito é apenas uma das expressões do poder político, e uma sua justificativa também. Afinal, a verdadeira essência por trás da legislação é o poder. Parafraseando o velho ditado, “aos amigos a ilegalidade, aos inimigos a lei”.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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