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Nicolás Maduro, ditador “conservador” e “de direita”, segundo jornalistas e comentaristas, inclusive da mídia tradicional.
Nicolás Maduro, ditador “conservador” e “de direita”, segundo jornalistas e comentaristas, inclusive da mídia tradicional.| Foto: EFE/Ronald Peña R.

Recentemente, Janio de Freitas argumentou que “Maduro é de direita”; na GloboNews, Valdo Cruz alegou que o governo venezuelano é conservador, de esquerda só de fachada; Tales Faria, do UOL, disse que “Maduro é conservador”; Daniel Buarque, na Folha de S.Paulo, afirmou que “Maduro apaga o legado social de Chávez”; Até Guga Chacra sempre destaca que Maduro não é tão de esquerda assim, já que é uma “figura conservadora em questões comportamentais”. Todos eles fingem não saber que nem toda a esquerda é progressista; nunca foi e quase nunca o é em países pobres. Muitos ainda associam Nicolás Maduro a Jair Bolsonaro, sendo que Bolsonaro reconhecia o governo interino de Juan Guaidó, enquanto associar Maduro a Lula foi praticamente proibido pelo TSE durante a última campanha eleitoral.

Tudo isso para distanciar Maduro da esquerda. Distanciar em palavras, enquanto de fato são aliados. E aí fica a pergunta (retórica): se realmente Maduro é de direita, porque o PT e a esquerda o apoiam?

O nível de desonestidade intelectual é chocante. O debate público está altamente corrompido

Os “analistas” fingem que as eleições não foram fraudadas. Fingem que a Venezuela é uma democracia. A verdade é que todos sabem que se trata de uma ditadura e que a oposição ganhou as eleições, não obstante as irregularidades do regime; mas eles leem tudo pela chave anti-Estados Unidos.

Passamos quatro anos nos quais todos os que preferiam Bolsonaro ao PT eram chamados de “bolsonaristas”, “fascistas” e “nazistas”. Bolsonaro em pessoa era (e ainda é) chamado de “genocida”. Isso não obstante o fato de, tecnicamente falando, “nazismo” ser uma abreviação de “nacional-socialismo”, e quem é nacionalista e socialista ao mesmo tempo é exatamente a esquerda latino-americana. E não obstante existir uma definição técnica de “genocídio” que nada tem a ver nem mesmo com as piores coisas que Bolsonaro possa ter feito, tanto que ele nem está sendo processado por isso.

Esses são os mesmos que afirmam que no 8 de janeiro de 2023 houve uma tentativa de “golpe de Estado”, ainda que o episódio não se encaixe nas definições técnicas da literatura científica e nem nos exemplos históricos reais de tentativas de golpes ao redor do mundo.

Alguns meses atrás houve um debate sobre “privatização das praias”; as pessoas pularam nas cadeiras, as redes sociais viraram um alvoroço, apenas para descobrirem depois que não se tratava de privatização de praia nenhuma, era algo diferente, relativo aos primeiros 30 metros de litoral, chamados “terrenos da Marinha” e que são de propriedade da União. Nesses terrenos há alguns imóveis cujos donos têm de pagar alguns tributos, que o projeto pretendia extinguir. Era uma questão tributária, mas mentiram na cara dura. E muitos devem ter ficado com a informação errada na cabeça.

Disseram que, se um projeto de lei sobre o aborto fosse aprovado, meninas que engravidassem depois de serem estupradas iriam para a cadeia, embora isso fosse impossível segundo o Código Penal. Tratava-se, na verdade, de uma questão sobre abortos tardios, feitos após 22 semanas de gestação. O projeto tinha seus problemas, mas foi deturpado no debate.

Animosidade e mentiras entre políticos são normais, mas quando se perde honestidade até na mídia, entre analistas e comentaristas, a coisa passa dos limites da decência

Em julho, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, afirmou que “nosso Poder Judiciário é referência no mundo inteiro” (devem ser os mesmos que afirmam que Paulo Freire é “referência mundial em educação”); na mesma linha, em janeiro, Luís Roberto Barroso afirmou existir “uma certa lenda de que haveria insegurança jurídica no Brasil”. Anos atrás, Aloizio Mercadante negou que o Brasil fosse uma economia fechada, embora seja uma das mais fechadas do mundo.

O nível de desonestidade intelectual é chocante. O debate público está altamente corrompido. Animosidade e mentiras entre políticos são normais, mas quando se perde honestidade até na mídia, entre analistas e comentaristas, a coisa passa dos limites da decência. Muitas pessoas não checam, e ficam com a informação errada. O custo para se informar corretamente aumenta. A polarização e a desconfiança crescem.

Discordar é normal e salutar; a democracia é a velha ágora onde se debate. O cientista político Robert Dahl mostra a importância da contestação pública, mas é claro que seria melhor se esse debate público fosse honesto, sem distorcer o argumento do outro, sem mentir, sem oportunismo, com honestidade. É o mínimo.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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