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Realismo político
Imagem ilustrativa.| Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney

A política não é bem comum, participação, representação, a nobre arte do compromise etc. Política é luta pelo poder, ameaças, jogo sujo, traições, interesses pessoais, manipulação, exploração e mentira. Quem mostra nitidamente tudo isso são os autores do realismo político ou Escola Realista, como Julian Freund, Carl Schmitt e Gianfranco Miglio, que se baseiam na visão do grande Maquiavel. Quem conhece os bastidores da política sabe. Os outros sonham.

O italiano Gianfranco Miglio mostra que a política é uma atividade coercitiva e parasitária (existem parasitas vegetais, animais e humanos) que pilha recursos dos demais e que tende a centralizar o poder; mostra também a diferença entre governantes que comandam e governados que obedecem; que existe uma classe de segundo a quinto escalão de “ajudantado”, que auxilia os políticos a serem eleitos e depois terá de ser alocada em postos-chave, tanto como recompensa, quanto para controlar a máquina.

Para o alemão Carl Schmitt, a política não é uma área como qualquer outra, mas é a que domina e define as demais; a política é definida pela “relação amigo-inimigo” – na economia somos concorrentes, mas em política não; o que a política faz é coletivizar as figuras dos amigos e dos inimigos, e não pelo bem comum, pois a política é conflito e não harmonia ou convergência. É um jogo coercitivo de soma zero. O Estado é a unidade política dominante, com poder arbitrário e discricionário; o “governo das leis” é uma ilusão, pois sempre precisa de pessoas concretas para a interpretação e a implementação das leis, para decidir quais as exceções, quando aplicar o “estado de exceção”, e a quem reconhecer poderes especiais. Enfim, as democracias representativas não são algo radicalmente diferente das ditaduras, mas estão em um continuum, não muito distantes de ditaduras que também se dizem “em nome do povo”.

Realismo não significa falta de ideais; significa partir primeiro do real, entender o que é possível mudar e o que não há como mudar, e só então trabalhar pela mudança

O francês Julien Freund alerta que a democracia torna o Estado sempre mais invasivo; que a política não consegue resolver nenhum problema e não consegue impor nenhum valor e princípio; e que a corrupção da linguagem corrompe a democracia.

Além desses três, há várias contribuições de autores de matrizes diferentes, mas todos com uma visão realista, como Oppenheimer, Olson, Mosca, Puviani, Michels, Buchanan, Pareto, Rothbard e Proudhon. Uma grande e rica tradição.

No Brasil, é a perspectiva idealista a dominante, tanto entre leigos quanto na academia. Estuda-se a teoria democrática e pluralista, mas não a escola elitista ou realista. É assim desde criança: nas escolas, antes de qualquer conhecimento concreto, começa-se mostrando um problema social e logo se parte para qual deveria ser a situação ideal e como tentar mudar as coisas (escrever uma carta ao prefeito, organizar uma manifestação etc.). Ou seja, a sequência é patologia-ideal-prescrição-militância. O contrário da ciência – na medicina, por exemplo, parte-se do diagnostico, da descrição real das coisas, de entender o que é normal e fisiológico e o que realmente é peculiar, patológico, para só depois se passar ao prognostico.

Na universidade, depois, estuda-se mais Filosofia Política ou Teoria Geral do Estado que ciência política. É por isso que muitíssimas pessoas 1. ficam indignadas; 2. se iludem e depois se desiludem; 3. tentam mudar coisas imutáveis; e 4. nunca conseguirão mudar nada.

Realismo político não significa falta de ideais; significa partir primeiro do real, entender o que é possível mudar e o que não há como mudar, e só então trabalhar pela mudança. De quem nasceu na Suíça, na Suécia ou perto do arco-íris seria até compreensível uma certa ingenuidade e idealismo; mas, de quem vive na América Latina, é no mínimo engraçado. Urge mais realismo político, uma visão científica mais correta, uma visão adulta da política – este, inclusive, é o primeiro passo para poder mudar as coisas.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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