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Estamos assistindo a uma polêmica sobre os dados do desemprego medidos pelo IBGE. O mesmo IBGE que, em 2014, divulgou alguns dados mostrando aumento da desigualdade, declarando depois que a pesquisa continha erros, que os dados tinham sido revisados e que, na verdade, a desigualdade havia diminuído. À época, muitos críticos disseram que isso foi feito intencionalmente para favorecer o governo. A isso se acrescentaram boatos segundo os quais, durante as eleições daquele ano, o órgão teria segurado a divulgação de dados negativos.
Este episódio ocorreu durante o governo Dilma, o das famosas “pedaladas fiscais”, que também 1. pediu ao FMI para poder mudar a forma de calcular a dívida pública (que passaria de 68% para 58% do PIB); e 2. tirou gastos sociais e incentivos fiscais do orçamento para colocá-los na conta de bancos estatais (Caixa Federal, BNDES e Banco do Brasil).
Mudanças de cálculos são frequentes, e nem sempre o objetivo é enganar a opinião pública – às vezes, por exemplo, surge uma metodologia melhor que a anterior. Nada disso, obviamente, é exclusividade brasileira; acontece no mundo inteiro, mais em alguns lugares, menos em outros. Em nível internacional, a confiança nos dados oficiais do governo central da China é baixíssima, quase nula; no nível das províncias, os governadores têm incentivos para maquiar a performance econômica, para fazer carreira dentro do partido. Tudo indica que a Grécia maquiou os dados na época da grande crise econômica na zona do euro. Os dados oficiais sobre inflação na Argentina foram tão desacreditados que ninguém os levou em consideração por muitos anos, havendo vários institutos privados independentes, que a calculam também de forma mais honesta. Desde que a União Europeia aprovou medidas de responsabilidade fiscal (no Tratado de Maastricht), os países passaram a manipular mais os dados.
Estatísticas oficiais podem ser manipuladas; não é questão de cultura, nem de competência, mas de incentivos
Os pesquisadores Roberto Aragão e Lukas Linsi falam de quatro tipos de manipulação de dados: 1. Quando os dados reais são conhecidos, mas o Estado insiste em divulgar dados falsos; 2. Quando os dados reais não são conhecidos, e então inventa-se dados; 3. Quando se muda a forma de calcular os dados deliberadamente para obter resultados melhores; 4. Quando ocorre “mudança indireta” – por exemplo, mudando-se a base de cálculo, a fonte e a amostra, antes que se faça o cálculo estatístico.
Os estudiosos Justin Sandefur e Amanda Glassman mostram empiricamente que, de forma geral, a manipulação de dados ocorre mais em países pobres e de renda média. O cientista político Luiz Martinez demonstrou o fenômeno é mais comum em países ditatoriais e em democracias fracas. James Hollyer mostra que as ditaduras tendem a colocar mais dados como faltantes. Vários estudos mostram que a manipulação do PIB é mais comum pouco antes das eleições. Andrew Kerner e outros descobriram que países pobres tendem a diminuir seu PIB para receber mais ajuda externa do Banco Mundial. Vários outros estudos descobriram que países com dívida pública alta, regime cambial fixo, altas taxas negativas de ativos estrangeiros, contas no vermelho e vulneráveis aos fluxos de capital tendem a falsificar mais os dados. E, por fim, o grande Bruno Frey descobriu que a globalização econômica é associada a menor manipulação de dados e que a “globalização política” é associada a maior manipulação de dados.
Na famosa obra Como mentir com estatística, Darrel Huff mostra várias técnicas usadas. Uma delas está na construção da amostra e da base de cálculo, e no viés que se pode ter nela. É o que acontece, por exemplo, quando entram ou saem alguns produtos da cesta de cálculo da inflação, deixando o indicador menor ou maior que antes. O caso mais emblemático é o do viés keynesiano no cálculo do PIB, que inclui o gasto estatal.
Estatísticas oficiais podem ser manipuladas; não é questão de cultura, nem de competência – muito pelo contrário, já que incompetentes não conseguem manipular –, mas uma questão de incentivos. Manipula-se dados para mais (PIB) ou para menos (inflação), sempre para ganhar algo, de apoio popular a subsídios internacionais. O ponto é que, como disse Milton Friedman, “estatística não fala por si só”, precisa ser interpretada. Mark Twain sabia disso: “os fatos são teimosos, a estatística é mais maleável”, e continuava: “há mentiras, malditas mentiras, e estatísticas”. E Winston Churchill já falou: “só acredito em estatísticas que eu mesmo adulterei”.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos