Palácio do Planalto, sede do governo federal, em Brasília.| Foto: Rodolfo Buhrer/Arquivo Gazeta do Povo
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Muitos que reclamam do “presidencialismo de coalizão” acham que o problema está na primeira parte da expressão: o presidencialismo. E por isso existem propostas para implantar no Brasil o sistema semipresidencialista, ou mesmo parlamentarista.

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Mas todo sistema tem seus bons e maus exemplos. Um dos consensos da Ciência Política é o de que forma de governo e sistema eleitoral não têm correlação com desenvolvimento econômico. É verdade que muitos países da América Latina e da África são presidencialistas, mas os Estados Unidos e a Coreia do Sul também são. É verdade que França e Portugal são semipresidencialistas, mas Rússia, Mongólia, Romênia, Ucrânia, Níger, Mauritânia, Moçambique, Congo, Namíbia, Guiné-Bissau e Sri Lanka também são. É verdade que Reino Unido, Alemanha, Espanha, Itália e Dinamarca são parlamentaristas, mas Albânia, Eslovênia, Servia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia, Somália, Etiópia, Paquistão, Índia, Iraque e Azerbaijão também são.

O presidencialismo de coalizão nada mais é que um presidencialismo com a necessidade de criar coalizões, e essa necessidade deriva da fragmentação partidária, que, por sua vez, deriva do sistema eleitoral (que, por sua vez, é decidido pelo Congresso). No multipartidarismo, geralmente, o Executivo não consegue ter a maioria dos assentos no parlamento e, portanto, precisa fazer coalizões. Nos Estados Unidos, não há coalizões porque o sistema eleitoral é majoritário e, na prática, há um bipartidarismo – até existem muitos partidos, mas apenas dois conseguem se fazer representar.

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O presidencialismo não é isento de problemas, mas os defeitos que as pessoas atribuem ao presidencialismo brasileiro derivam, na verdade, do sistema eleitoral

O sistema partidário depende do sistema eleitoral. Geralmente, sistemas eleitorais majoritários levam a sistemas bipartidários, como nos EUA, e sistemas eleitorais proporcionais levam a sistemas multipartidários, como no Brasil. Se um país mudar do presidencialismo para o parlamentarismo, mas mantiver o mesmo sistema eleitoral, a necessidade de fazer coalizões será idêntica ou até aumentar, como na Itália, na Espanha ou em Israel.

O problema, então, não é a forma de governo, nem o presidencialismo; o problema é a fragmentação partidária, que por sua vez é gerada pelo sistema eleitoral. E o Brasil tem uma das maiores fragmentações partidárias do mundo. Esse dado muda com frequência, já que a composição dos parlamentos em todo mundo está constantemente em alteração, mas ao menos desde 2003 o Brasil sempre aparece entre os líderes. Segundo o índice elaborado em 1979 por Markku Laakso e Rein Taagepera, os líderes em número de “partidos políticos efetivos” são Brasil (9,91), Bélgica (9,70), Bósnia-Herzegovina (9,00), Colômbia (8,74) e Países Baixos (8,54) – duas repúblicas presidencialistas, duas monarquias parlamentaristas e um regime parlamentarista com características peculiares devido a questões étnicas. Em outro cálculo, elaborado pelo site Poder360 com metodologia do cientista político Jairo Nicolau, da FGV, as posições dos cinco primeiros são praticamente idênticas – a única diferença está na liderança da Bélgica (9,7), enquanto o Brasil fica em segundo (9,2), na primeira vez desde 2003 que o país perdeu a liderança.

Nestes cálculos, geralmente se contam os partidos necessários para se chegar a 50% mais 1 dos assentos legislativos, ou seja, de quantos partidos o Executivo precisa para ter a maioria e para poder aprovar leis de seu interesse. Não se trata, portanto, de considerar todos os partidos existentes no país, nem todos os partidos representados no Legislativo, porque um parlamento pode até ter membros de muitos partidos, mas, se duas ou três legendas bastarem para formar uma maioria, a fragmentação não é alta. Em outras palavras: contam-se todos os partidos, mas nem todos os partidos contam!

É importante também notar que a fragmentação não é algo necessariamente negativo em todos os casos; entre os países mais fragmentados do mundo estão nações bastante desenvolvidas como Bélgica, Holanda, Dinamarca, Finlândia, Suíça, Islândia e Noruega. No entanto, esses são países muito pequenos; quando se combina alta fragmentação partidária e nações grandes, como Brasil, Indonésia e Tailândia, a coisa muda.

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Tudo isso não significa que o presidencialismo seja isento de problemas, mas os defeitos que as pessoas atribuem ao presidencialismo brasileiro derivam, na verdade, do sistema eleitoral. Os problemas do presidencialismo são outros. Mudar a forma de governo sem mudar o sistema eleitoral significa mirar em X e atirar em Y.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]