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O presidente Lula foi operado e está atualmente internado. Boatos se espalham sobre o estado de saúde dele, possíveis sequelas e sobre sua candidatura em 2026. Mas o caso do presidente brasileiro não é novidade: vários líderes políticos tiveram graves problemas de saúde. Alguns os omitiram, mentiram ou minimizaram.
Um estudo da Duke University afirma que 29% dos presidentes norte-americanos tinham problemas de saúde mental enquanto estavam no cargo – Theodore Roosevelt e Lyndon Johnson tinham transtorno bipolar. J.F. Kennedy tinha Doença de Addison, uma insuficiência de adrenalina que gerava fadiga crônica, perda de peso e outros sintomas; ele chegou a desmaiar durante um evento. Mas seus médicos escreveram um atestado que omitia a verdade, e o fiasco da Baía dos Porcos pode ter sido influenciado por essa condição. Grover Cleveland tinha um tumor na boca e se fez operar em um iate por um dentista; durante a operação, ordenou que lhe retirassem dois dentes para poder usá-los como justificativa para a intervenção. Winston Churchill tinha depressão, teve um ataque cardíaco, pneumonia e dois AVCs – o último deles foi mantido oculto da imprensa.
Na obra In sickness and in power, David Owen conta que François Mitterrand morreu de câncer de próstata um ano depois do fim do seu mandato, mas já estava doente durante seu período no poder, e seus médicos esconderam essa informação da população por 11 anos. A doença rara no sangue de outro presidente francês, Georges Pompidou, também ficou escondida. Além dele, o primeiro-ministro inglês Harold Wilson, durante seu segundo mandato (1974-1976), tinha câncer de cólon; um antecessor seu em Downing Street, Anthony Eden (primeiro-ministro entre 1955 e 1957), tinha febres fortíssimas de mais de 40 graus, e teve uma delas pouco antes de decidir sobre a Crise do Canal de Suez. O xá do Irã, Reza Pahlevi, estava doente; para esconder isso dos Estados Unidos, não se tratou nem em hospitais suíços, nem americanos. Talvez a Revolução Islâmica de 1979, que o depôs, não tivesse acontecido se ele tivesse se curado e estivesse melhor.
Vários líderes políticos tiveram graves problemas de saúde. Alguns os omitiram, mentiram ou minimizaram
Presidentes e ditadores morreram enquanto governavam ou logo após vencer eleições
Alguns líderes morreram durante o mandato. Franklin D. Roosevelt tinha paralisia em ambas as pernas desde jovem; enquanto ocupou a presidência, tinha arteriosclerose, problemas no coração e nas coronárias, mas seu médico negava tudo. Morreu pouco depois de ter vencido a eleição para seu quarto mandato, e provavelmente estava gravemente doente já antes das eleições. O ditador soviético Konstantin Chernenko tinha graves problemas nos pulmões antes de tomar posse, em 1984, e suas aparições cadavéricas na televisão deixavam a população preocupada; Chernenko morreu em 1985, depois de meses internado em um hospital. O mundo todo viu que o presidente norte-americano Joe Biden está evidentemente senil; Richard Nixon era alcoólatra. Quem governava de verdade nesses casos?
Ainda há muita controvérsia envolvendo o caso de Tancredo Neves, mas sabe-se que o presidente eleito se automedicava e postergou o tratamento para esconder sua doença. Sabemos como isso acabou. Há quem acredite que tanto Yasser Arafat quanto Fidel Castro teriam morrido alguns dias antes e que suas declarações de óbito foram intencionalmente atrasadas. Segundo o internacionalista Bruce Bueno de Mesquita, autor de The dictator’s handbook, isso pode acontecer para que o entourage do ditador restabeleça o fluxo do dinheiro.
Há sempre boatos sobre o estado de saúde de líderes, especialmente em ditaduras. Atualmente, é o caso de Alexandr Lukashenko, da Belarus, e do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã. E os boatos aumentam porque geralmente eles escondem a verdade.
Já os problemas de saúde derivados de tentativas de homicídio geralmente não são escondidos. Por um lado, porque é mais difícil de escondê-los; por outro lado, porque a tentativa de assassinato é aproveitada politicamente. Foi assim com Ronald Reagan e Jair Bolsonaro.
População espera líderes em boas condições de saúde
A televisão intensifica a questão. É difícil imaginar que Roosevelt ou até Churchill tivessem tido tanto sucesso eleitoral na era da televisão, com sua imagem mais debilitada. Até de Mitt Romney (que desafiou Barack Obama nas eleições de 2012) se falou que tinha uma pele envelhecida. A telegenia importa.
As pessoas querem um líder saudável e capaz de liderar. É por isso que, por exemplo, Vladimir Putin fez a famosa foto cavalgando, Lula se deixa fotografar malhando e Emmanuel Macron tem suas imagens fazendo boxe: todos imitam a jogada de marketing de Mussolini trabalhando no campo com o peito nu. Já Hillary Clinton tinha pneumonia, e Donald Trump questionou a aptidão física de sua adversária por isso em 2016. As doenças também eram apontadas pelos adversários de John Kennedy, mas ele as negava. Tony Blair se gloriava de ser jovem e estar em forma, mas tinha problemas cardíacos. Pablo Marçal, durante sua campanha eleitoral à prefeitura de São Paulo, disse que era o mais saudável e em forma entre todos os candidatos.
Líderes transparentes em relação à própria saúde são minoria
Há exceções à regra. O papa João Paulo II foi transparente sobre seus problemas de saúde; depois dele, Bento XVI renunciou, entre outros motivos, por estar cansado mentalmente e fisicamente; e as limitações de mobilidade e condição de saúde do papa Francisco não são um mistério para ninguém. Fidel Castro e Shinzo Abe renunciaram por questões de saúde. Em 2011, Hugo Chávez admitiu ter um tumor, se operou e se tratou mais vezes em Cuba; em 2012, depois de ter fraudado as eleições, disse abertamente que, se ele não pudesse assumir o cargo, seu vice Nicolás Maduro devia participar de novas eleições. O ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown tinha problemas de visão devido a um deslocamento de retina, e defendia abertamente que “seria uma terrível falha [...] se você pensasse que, porque alguém tem um problema médico, não poderia fazer esse trabalho”.
Concursados têm exames admissionais, mas não existe uma legislação que obrigue os chefes de governo e de Estado a tornar públicas suas questões de saúde, nem antes, nem durante o mandato
Política exige muito do corpo e da mente do governante
Os políticos normalmente são mais velhos que a média da população. Getúlio Vargas fazia disso uma virtude, no jingle que dizia “o sorriso do velhinho faz a gente se animar”.
A política pode não ser trabalho braçal, mas exige muito e cansa tanto o corpo quanto a mente. Erra quem acha que os políticos não trabalham; eles trabalham muito, em uma série infinita de eventos, reuniões, discursos, viagens, encontros, negociações etc. A rotina é densa, o dia é cheio, as responsabilidades e o estresse são pesadíssismos. É preciso ter saúde.
Por um lado, a saúde de cada um é questão privada e até íntima; por outro, trata-se de personagens públicos com responsabilidades públicas. Concursados têm exames admissionais, mas não existe uma legislação que obrigue os chefes de governo e de Estado a tornar públicas suas questões de saúde, nem antes, nem durante o mandato. A história está cheia de atestados médicos falsos e omissões, mas nada aconteceu aos médicos responsáveis por eles.
Fica a dúvida: pessoas com graves doenças conseguem fazer um trabalho tão complexo, como fizeram Churchill, Mitterrand e Brown? Ou a doença afeta a performance, como para Pahlavi, Eden, Biden, Nixon, Chernenko e Kennedy? Na dúvida, seria melhor apostar na transparência, pois é ainda mais grave quando a pessoa está incapacitada – temporariamente ou não –, como foi o caso de Biden, Nixon e Chernenko, e não se sabe quem governa de fato.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos