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Adriano Gianturco

Adriano Gianturco

Da tomada ao mapa-múndi

Tecnologia, nacionalismo e oportunismo

Nacionalismo na tecnologia
Insistência no "produto nacional" atrasou o desenvolvimento do Brasil em várias áreas. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

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Recentemente, o governo começou um programa para criar um aplicativo de troca de mensagens, ao estilo do WhatsApp, para funcionários estatais. É o tipo de ideia que tem alguns precedentes. Em 2012, veio à tona que a NSA espionava a então presidente Dilma Rousseff, a chanceler alemã Angela Merkel e outros líderes políticos – na verdade, todo mundo espiona todo mundo o tempo todo. Também em 2012, grupos rebeldes atacaram a embaixada norte-americana em Bengazi, na Líbia, e mataram o embaixador porque conseguiram pegar informações da então secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que usou um e-mail particular em lugar do e-mail oficial de Estado, mais seguro.

Um passarinho anda dizendo que entre Brasília e Washinghton roda um mega-arquivo com informações comprometedoras sobre várias personalidades poderosas do Brasil, que estariam sendo chantageadas. Dois hackers já teriam conseguido informações das primeiras-damas Janja e Marcela Temer. Alguns em Brasília tremem. E o dono do Telegram, Pavlov Durov, se recusou a passar informações para as autoridades de vários países; por isso, foi processado na França e é perseguido internacionalmente.

O oportunismo nacionalista, inclusive aplicado à tecnologia, já se mostrou em vários outros episódios. Poucos meses atrás, nosso presidente da República inaugurou um programa de inteligência artificial completamente brasileiro para competir ao nível global. Durante a pandemia, afirmava-se que precisávamos de uma “vacina brasileira” para não ficarmos dependentes de outros países. Quando falam de “dependência”, referem-se sempre à dependência de empresas privadas estrangeiras, como se ficar dependentes de empresas estatais, subsídios e politicagem do próprio país não fosse um problema até maior...

As bizarrices causadas pela insistência em que tudo seja feito no Brasil cutucam os complexos de alguns, mas a verdade é que políticos oportunistas usam esse discurso para favorecer empresários amigos e enganar o povo com a retórica do orgulho coletivista

Em 2011, a então presidente Dilma foi à China, visitou fábricas de iPads, sabia que o país estava crescendo e deduziu que crescia justamente graças aos tablets, igualando correlação e causalidade. De volta ao Brasil, quis criar o “iPad brasileiro”. Por sorte a ideia não foi colocada em prática; teria dado tão certo quanto o carro Gurgel.

Quem tem mais idade haverá de se lembrar dos computadores Cobra, fabricados no Brasil. Quem usava reclama até hoje! Na época, um ex-ministro falou, em uma palestra, que os computadores Cobra eram “uma m****”. Uma pessoa da plateia se levantou e gritou “serão até uma m****, mas pelo menos são a nossa m****!” E a tomada brasileira? Ela não surgiu do nada, tem uma longa árvore genealógica. O resto do mundo segue alguns padrões, gerando assim sinergias e economias de escala, mas aqui não, aqui é Brasil!, e nós também temos de ter nossa tomada.

A mesma lógica se aplica às regras acadêmicas da ABNT. Todo o mundo segue as regras norte-americanas ou europeias, gerando assim mais cooperação internacional e mais publicações internacionais, mas aqui não podemos obedecer às regras impostas pelo “tio Sam” e pelos colonizadores europeus!

Recentemente, o IBGE criou um mapa-múndi com o Brasil no centro. O viralatismo acha que o sul do mundo é pobre por culpa da projeção Mercator, a maneira mais conhecida de fazer o mapa-múndi, que centraliza a Europa e distorce países em altas latitudes porque os cartógrafos europeus pretendiam um mapa que permitisse navegar melhor. É o decolonialismo do mapa!

Esses casos fazem rir e cutucam o orgulho e os complexos de alguns, mas a verdade é que são usados por políticos oportunistas para favorecer empresários amigos e enganar o povo com a retórica do orgulho coletivista. E a verdade dói.

O discurso é sempre o mesmo: autossuficiência, nacionalismo, não depender de potências externas. A realidade é: empresas estatais deficitárias e cabide de empregos, nepotismo, leilões ganhos por empresas amigas, clientelismo, subsídios e dinheiro que volta como financiamento eleitoral e caixa dois.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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