O que Davos apresentou sobre os desafios de governar a veloz economia? Aquecimento global, Brexit e acordos comerciais são temas recorrentes em fóruns econômicos. Agora, o 50.º encontro anual do Fórum Econômico Mundial, trouxe algumas novidades além das visões abordadas por Greta Thunberg ou pelo príncipe Charles.
Vamos começar pela participação “brazuca”: em um painel sobre a dominância do dólar no mundo, o ministro da economia Paulo Guedes comentou a importância de blockchain. Guedes comparou o blockchain ao lastro do ouro: um balizador mundial para as moedas, possivelmente digital. Ele citou o economista austríaco libertário Friedrich von Hayek para apontar a possibilidade de uma moeda global.
Guedes ressaltou ainda que os bancos centrais estão “com medo” e “correndo para o blockchain” devido à confiança trazida pela tecnologia – para ele, “segurança” é a palavra-chave quando falamos sobre o tema. Ainda segundo Guedes, se os bancos centrais tomarem a frente do blockchain, poderão preservar o papel do dinheiro como algo “público”.
A fala do ministro é interessante por indicar que o governo brasileiro está, de alguma forma, atento à questão; governos do mundo todo precisam compreender que estreitar a relação com essa tecnologia pode ser crucial, afinal, está em jogo o monopólio monetário em um futuro apoiado em blockchain – ao menos no futuro em que a computação quântica não consiga desafiá-lo.
Por outro lado, houve espaço também para críticas: Riccardo Spagni, um dos principais colaboradores do desenvolvimento da Monero, criptomoeda criada em 2014 com o objetivo de ser não rastreável, afirmou que líderes globais ainda estão tentando policiar e regular criptomoedas, mantendo-as dentro das mesmas estruturas que sempre tiveram. Segundo ele, os “donos da bola” relutam em mudar.
Já em outra discussão, sobre saúde digital, aplicativos de serviços e mudanças nas dinâmicas de trabalho, o questionado escritor Yuval Harari, autor do best-seller “Sapiens: uma breve história da humanidade”, destacou que é essencial repensar a nossa abordagem sobre o que é emprego e mercado de trabalho. Até aqui, nada novo no front. Mas Harari, ao seu estilo generalista, completa:
“Se tudo isso se trata de mágica computacional, então há mágicos computacionais que deveriam ser recompensados e receber o lucro. Mas se há um grande exército invisível que está fazendo uma grande parte do trabalho, então eles também devem ser recompensados”.
Yuval Harari
De fato, o apontamento é válido para repensar as relações de trabalho, algo pertinente para as indústrias que até 2025 terão robôs executando metade de todas as funções produtivas.
Davos é um espaço para assuntos delicados, do blockchain até as novas relações de trabalho. Mas tão difícil quanto decifrar uma criptomoeda é compreender empresas familiares. Um painel chamado “Empresa familiar: relíquia ou modelo?” afirmou que lucro não pode ser a única razão de existir de uma companhia e que ninguém constrói uma empresa de sucesso focando em lucro a curto prazo.
Mudanças velozes também trazem descompassos na caminhada, como destacado ao mostrar que a regulação caminha mais devagar que a tecnologia – mas ninguém quer voltar atrás. No cotidiano das empresas, o descompasso também está presente: Davos mostrou ainda que os CEOs empregam metodologia agile para transformação, mas gastam mais tempo definindo regras (ou seja, burocratizando o agile) do que testando ou se envolvendo – enfim, de fato, fazendo agile.
As discussões levantaram ainda uma contradição urgente em tempos de big data: há muito temor de uma “ditadura” dos dados, com privacidade e tomadas de decisão por algoritmos em vez de pessoas. Medos à parte, o fórum reforçou algo que não podemos esquecer: os dados pertencem às pessoas.
Em Davos, os olhos foram, sim, voltados para contradições e caminhos, com palpites de todos os lados e correntes; sejam as pautas de Greta, Harari ou mesmo de Guedes, no fim do dia, algumas lições podem ser tiradas. Mas, como diz a famosa frase do boxeador Mike Tyson, também citada no Fórum, “todo mundo tem um plano até receber um soco na cara”.
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