Finalmente o governo anunciou o tão esperado pacote fiscal. O pronunciamento do ministro Fernando Haddad mais parecia uma peça publicitária, e menos um comprometimento real com as contas públicas. Sobrou marketing, e faltaram medidas.
Do lado do gasto, o pacote fiscal trouxe algumas mudanças. Uma delas foi a desvinculação do abono salarial ao reajuste do salário mínimo, atrelando agora o benefício à inflação. Outra mudança foi a imposição de uma idade mínima para aposentadoria de militares e o fim dos benefícios a familiares, quando os representantes das Forças Armadas são expulsos da corporação por mau comportamento.
Houve também alteração na fórmula do reajuste do salário mínimo. Atualmente, o salário mínimo é ajustado pela inflação mais a variação do PIB de dois anos anteriores; agora, crescerá em 2,5%, em termos reais (acima do IPCA), respeitando o teto do arcabouço fiscal.
Além disso, o governo anunciou um pente fino no BPC e no Bolsa Família, com endurecimento de regras na concessão dos benefícios, a fim de evitar fraudes; e anunciou limitar o crescimento dos super salários do funcionalismo público.
Embora tenha trazido alguns avanços, o pacote deixou muito a desejar. Primeiro, porque as medidas não são efetivamente de cortes de gastos, mas de limitadores do crescimento da despesa. Segundo, porque manteve os mínimos constitucionais, atrelando gastos com saúde e educação às receitas da União – o que evidentemente engessa o orçamento e torna a dívida pública crescente, uma vez que essas despesas crescem muito acima do limite do teto do arcabouço fiscal. Terceiro – e o que mais gerou preocupação –foi isentar as pessoas que ganham até R$5 mil do imposto de renda, tributando indivíduos com renda acima de R$50.000, com objetivo de garantir a neutralidade tributária.
A isenção de IR numa situação fiscal normal seria bem-vinda. É sempre melhor deixar mais dinheiro na mão das famílias do que no Estado. No entanto, o país não se encontra com as contas públicas em dia, pelo contrário. Uma medida como essa pode agravar o problema fiscal. Não dá para garantir que a isenção será compensada pelo aumento de arrecadação das pessoas com renda superior a R$50.000.
Outro problema é que a isenção tributária aumentará o consumo das pessoas em cima de uma capacidade de oferta (produção) estagnada. Este tipo de incentivo gera evidentemente pressões inflacionárias.
O governo não menciona abertamente, mas pretende fazer o ajuste fiscal, como por vezes já foi adotado no Brasil, pelo imposto inflacionário.
O aumento da inflação pode aumentar a arrecadação do governo no curto prazo por meio da transferência de renda da população para o Estado via elevação de preços.
Por exemplo, com um imposto de 15%, se uma roupa sobe de R$100,00 para R$110,00 (10% de inflação), a arrecadação do governo sobe de R$15,00 (R$15% de 100) para R$16,50 (15% de R$110), à custa da perda de poder de compra do trabalhador.
O problema em apostar no imposto inflacionário como medida arrecadatória é ignorar o ponto de inflexão dessa estratégia.
Se a inflação for elevada, o efeito poderá ser o contrário, desincentivando o consumo e os investimentos das empresas.
Menos consumo e investimento significam desaceleração da atividade econômica, gerando perda de arrecadação
O conjunto de medidas anunciadas definitivamente não será suficiente para estabilizar a dívida pública. É necessário um superávit de pelo menos 2% do PIB para conter o crescimento da dívida interna. Estamos muito longe disso. O déficit primário, em relação ao PIB, para este ano é previsto em -0,50% de acordo com o relatório Focus. Para 2025 e 2026, as projeções estão respectivamente em -0,70% e -0,60%.
Esse pacote fiscal não é capaz de zerar o déficit primário das contas públicas, tampouco gerar um superávit superior a 2% do PIB. Nesse cenário, se nada for feito, a dívida pública continuará a crescer, chegando a um ponto que se tornará impagável. Antes disso, passaremos por uma crise fiscal, parecida com a do governo Dilma. Aliás, o roteiro é o mesmo; só muda o diretor. Com o dólar rondando R$6,00, o mercado já precificou o final do filme “À beira de uma crise”.
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