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A cada 4 anos é a mesma história. Assistimos a dezenas de atletas reclamarem da falta de incentivo ao esporte de alta performance – da esgrima ao futebol feminino.
Num momento de comoção nacional, aliado à tendência do brasileiro em pensar em economia de maneira emotiva – e não racional -, a tentação para comprarmos essa reclamação é grande.
O ponto de partida de qualquer análise econômica é entender que o orçamento do governo é limitado e formado pelo nosso dinheiro, arrecadado por meio de impostos e empréstimos contraídos com a sociedade.
Um bolsa atleta, ou uma isenção fiscal para prêmio olímpico, é pago com o nosso dinheiro
Diante dessa óbvia constatação, a pergunta que se coloca é: a sociedade deve pagar benesses tributárias para esses atletas? Por que financiar atletas de ponta, e não saneamento básico, ou uma bolsa eletricista?
A pergunta é importante porque mais dinheiro para atletas de ponta significa menos recursos para saneamento, saúde, educação de base, cursos profissionalizantes, segurança, etc. Como o orçamento é limitado, para cada escolha existe uma renúncia. Frente a esse dilema, quais são as prioridades da sociedade brasileira: medalhas olímpicas ou saneamento básico?
Seria ótimo uma sociedade com recursos infinitos, com dinheiro para absolutamente tudo. Infelizmente, essa sociedade nunca vai existir, pois, no mundo real, os recursos são escassos, e as necessidades ilimitadas.
É sempre possível alegar que os benefícios preteridos pelos atletas (isenções fiscais para prêmios, bolsa atleta e os financiamentos subsidiados com impostos da população) é pequeno perante o tamanho do orçamento da União, e que cada brasileiro gasta muito pouco por esportista. É verdade. No entanto, esse pensamento se alastra para absolutamente todos os setores da sociedade. Afinal, todos têm as suas razões para justificar benesses estatais.
A indústria automobilística pede subsídios, alegando que vai gerar emprego e renda no país. Altos funcionários públicos justificam os benefícios porque não podem ganhar dinheiro no mercado, e seus salários estão “defasados”. Os artistas pedem lei Rouanet (renúncia fiscal) porque acham a cultura importante para o país. Os atletas dizem que não há incentivo ao esporte, e por aí vai.
Essa mentalidade é presente no Brasil inteiro, como se o dinheiro do Estado não fosse nosso, e como se o orçamento do governo fosse infinito. O problema se torna ainda maior porque a sociedade, pagadora de impostos, embarca em cada uma dessas justificativas, sem entender que, no final das contas, é ela que paga por isso.
Se colocar a palavra “social” para justificar os incentivos governamentais, é praticamente certo que o apoio ocorrerá de maneira quase unânime.
A soma de todos os incentivos no Brasil – subsídios empresariais, Lei Rouanet, auxílios, bolsas, etc. – não é pequena. Pagamos muitos impostos, porque os gastos do governo são elevados, o que inclui todas as renúncias fiscais, subsídios e benesses estatais.
Por que não canalizar todos esses recursos para saneamento básico ou educação pública de qualidade, incluindo esporte para crianças e adolescentes? Uma vez que todo subsídio é pago com nosso dinheiro, cada indivíduo tem a obrigação de saber se ele quer ou não pagar por determinada política pública.
Por exemplo, você prefere que o dinheiro do seu imposto vá para subsidiar empréstimos do BNDES para empresários ou reforço da segurança pública? Uma boa maneira de responder a essa pergunta é entender a relação custo-benefício de cada gasto do governo, e como a medida afetará sua vida e a sociedade como um todo.
Por exemplo, educação pública de qualidade tem efeitos para o país inteiro. A sociedade se torna mais próspera e produtiva. O aumento da produtividade eleva o PIB per capita do país. Investimentos em esportes, para crianças e adolescentes, os afastam das drogas, diminuindo a criminalidade; aumenta a disciplina, elevando a produtividade, e cria uma rotina saudável de atividade física, diminuindo os gastos com saúde.
Gastos públicos com educação de qualidade na base, incentivo ao esporte para crianças e adolescentes, e investimentos em segurança pública, têm impacto para toda a sociedade. Esses gastos são justificáveis porque afetam a população, e os retornos superam os custos.
Não se trata de ser contra o esporte, pelo contrário. Mas é preferível canalizar recursos para a base do que atletas de ponta.
Honestamente, o que muda na sua vida uma medalha de ouro? Eu prefiro viver num país sem medalha olímpica e sem copa do mundo, mas onde eu possa sair seguro na rua, e que todos tenham acesso a saneamento básico e educação de qualidade.
Basicamente, os impostos e as renúncias fiscais devem ser destinados para políticas públicas que o retorno supera os custos para a população. No caso de atletas de ponta, ou artistas, o setor privado pode perfeitamente operar.
Não há dúvidas da dificuldade de se ser artista ou atleta no Brasil. Mas ninguém botou uma arma na cabeça no momento da escolha dessas profissões.
Em qualquer carreira, é difícil ser um profissional de ponta. Mas isso é uma questão individual, e não de toda a sociedade. Não se pode fazer política pública na base da emoção. A razão e a lógica devem prevalecer.
Infelizmente, no Brasil, a mentalidade de esquerda contaminou tanto a sociedade, que toda solução proposta passa necessariamente pelo incentivo do Estado, e nunca por menos governo.
Boa parte dos brasileiros não consegue pensar em soluções fora do Estado, entendendo os conceitos de escassez, escolhas conflitantes, responsabilidade individual e prioridades
Criar incentivos fiscais para atletas de ponta só atende a um populismo demagógico. Há centenas de brasileiros que fazem um excelente trabalho no exterior, e pagam impostos normalmente no Brasil. Além disso, a renúncia fiscal é paga também pelo dinheiro do contribuinte brasileiro, do médico, do zelador e da faxineira.
O dia que a sociedade brasileira entender a importância da equidade tributária, da restrição orçamentária, e que uma política pública é paga com o nosso imposto, talvez sejamos medalhas de ouro na cobrança e vigilância da classe política para o aprimoramento de segurança pública, educação, saúde e saneamento básico.
Conteúdo editado por: Aline Menezes