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Alan Ghani

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Censura no Brasil pode levar à perda de desenvolvimento econômico

(Foto: Unsplash)

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Liberdade é um daqueles valores que só damos a devida importância na sua ausência. Sua relevância passa desapercebida para boa parte dos brasileiros, mais preocupados com questões econômicas concretas (alta dos preços, dívidas, medo de perder o emprego, etc.) do que com valores abstratos. Porém, não valorizar a liberdade não a torna secundária. Pelo contrário, a liberdade está diretamente ligada ao bem estar econômico e material da população.

Um dos desafios da ciência econômica é estabelecer relação de causalidade entre variáveis. Mostrar a relação entre garantia das liberdades individuais e prosperidade econômica não é tarefa fácil do ponto de vista conceitual e nem empírico. Apesar dessa dificuldade, existe uma forte correlação entre desenvolvimento econômico e liberdade. Não à toa, os países com mais prosperidade econômica são aqueles onde a liberdade individual é mais preservada.

Os EUA são o maior exemplo dessa relação. Evidentemente, a força da economia do país não é explicada apenas pela valorização da liberdade; mas, sem dúvida, esse sentimento tão presente na cultura americana é uma das principais causas da pujança econômica dos EUA. O sucesso do capitalismo americano decorre da liberdade de os indivíduos empreenderem livremente. Empresários são livres para satisfazerem as demandas da sociedade e lucrarem com isso. Nesse processo pela busca de lucros, realizam investimentos, contratam pessoas, pagam fornecedores, e a economia entra num círculo virtuoso, gerando emprego, renda e consumo.

A liberdade econômica, sem as interferências estatais, não é obra do acaso, mas fruto de um livre ambiente para ideias e pensamentos, estimulante para o processo de criação e inovação, peças fundamentais para o sucesso do capitalismo. Para a existência desse ambiente, a liberdade de expressão é fundamental. O raciocínio é simples: como garantir o livre pensamento, fundamental para o processo de criação, sem a existência de um ambiente independente de censuras que estimule a análise, o contraditório e a inovação de processos, produtos e serviços?

O sucesso do capitalismo americano decorre da liberdade de os indivíduos empreenderem livremente

Há exemplos nos quais esta relação é mais óbvia. Será que a poderosa indústria cinematográfica americana iria prosperar num ambiente de censura? Será que teríamos filmes críticos e tão bons? E a indústria de mídia (entretenimento e jornalismo), prosperaria se tivesse que obedecer às regras de propagandas estatais, e não às demandas da população baseadas na verdade dos fatos e na opinião crítica?

Alguém poderia se opor a este raciocínio argumentando que a Rússia conseguiu colocar o homem no espaço mesmo com uma ditadura comunista. É verdade. Mas nesse caso, o desenvolvimento não se deu livremente em toda a sociedade, mas apenas naqueles escolhidos pelo governo. E no final das contas a Rússia comunista colapsou.

Mesmo a China de hoje sofre impactos negativos pela falta de liberdade. Ainda tem um PIB per capita e IDH menores do que os EUA e países europeus. Numa lista de 2023 do FMI, com 191 países, a China ocupa a posição de 74 em renda per capita, perdendo para o Uruguai (53).  Em termos de IDH, a China é 75ª colocada num ranking de 180 países.

Sem dúvida a China evoluiu muito ao longo dos anos, adotando algum grau de livre mercado. No entanto, é um erro acreditar que o PIB absoluto da China significa que o padrão de vida médio de um chinês é igual a de um americano, europeu ou até mesmo de um uruguaio. O PIB absoluto mede apenas o total produzido por um país, não sendo uma boa medida de prosperidade da população. Já o PIB per capita mede o quanto da riqueza gerada num ano dá em média para cada indivíduo. Já o IDH, além de levar em conta a própria renda per capita, considera também indicadores de saúde e educação para a população.

Por essas métricas, fica evidente que o modelo chinês não é a melhor solução de prosperidade econômica. Sem dúvida, é melhor que o velho socialismo, mas pior que as democracias liberais ocidentais.

Outro ponto é que o próprio processo de criação chinês se dá mais pela cópia e concorrência de um modelo pré existente do que pela criação de tecnologias novas e disruptivas. Pergunta-se: até quando o crescimento chinês é sustentável sem liberdade política e de expressão?

É justamente nessas horas que se percebe a importância da liberdade de expressão. Uma sociedade que a valoriza leva o “livre pensar” e a “livre opinião” para todos os setores da economia, de commodities a inteligência artificial.

Os dados não me deixam mentir. Com o índice de liberdade econômica do Repórteres sem Fronteira e dados de IDH da ONU, a regressão abaixo mostra uma relação estatisticamente significante entre as variáveis. O coeficiente de correlação entre liberdade econômica e IDH é de 0,47. Em outras palavras, a cada aumento de 1 unidade no ranking de liberdade de imprensa, aumenta-se 0,47 unidade no IDH, em média. É claro que a regressão pode ser controlada por mais variáveis, no entanto, os resultados não deixam de ser bem sugestivos.

Não à toa, as universidades representam o auge da liberdade de expressão, estimulando em tese o livre debate e o livre pensamento, a fim de formarem intelectuais e profissionais de ponta. Infelizmente, o livre debate nas universidades tem sido ameaçado, inclusive nos EUA, pelos estudantes e professores progressistas que não toleram nada fora da pauta woke.

A liberdade de expressão também garante uma sociedade mais vigilante ao poder estatal. A própria sociedade concede poderes a alguns governantes e tecnocratas, mas ao mesmo tempo se torna fiscalizadora da classe política pela garantia constitucional de lhe fazerem críticas. Essa vigilância minimiza os efeitos de os políticos tomarem decisões ruins na medida em que são cobrados e pressionados pela mídia e pela opinião pública.

Pergunta-se: até quando o crescimento chinês é sustentável sem liberdade política e de expressão?

Imagine um governante que não pudesse ser criticado por um aumento de imposto ou um excesso de gastos. Criaríamos um ambiente perfeitamente propício para decisões econômicas desastrosas que apensas visariam aos interesses da classe estatal ou dos amigos do rei, levando obviamente a decadência econômica de toda a sociedade.

Infelizmente esse processo se iniciou no Brasil. Os exemplos são inúmeros. Para ficarmos apenas no mais recente, alguns comentaristas serão investigados por divulgação de “fake news” sobre a tragédia do Rio Grande do Sul.

Por exemplo, o comentarista Thiago Asmar (“Pilhado”) será investigado pela Polícia Federal por ter falado “que o empresário Luciano Hang ajudou mais o RS que o governo”. Pergunta-se: onde está a fake news? Você pode achar essa opinião boa, ruim, exagerada, precisa, imprecisa etc., mas não é fake news. É apenas um ponto de vista! Não existe opinião verdadeira ou falsa.

Outras pessoas, como o economista Leandro Ruschel, são investigadas por afirmarem que 9 pessoas morreram na UTI. Acontece que o próprio prefeito de Canoas confirmou (aqui) e depois corrigiu a informação (aqui).

O engodo se torna ainda maior porque, mesmo que fosse mentira, fake news nem é crime. Qualquer estudante de Direito sabe que não existe crime sem lei que o preceda. Para piorar, essas pessoas não têm foro privilegiado perante ao STF.

Isso mostra a escalada da censura saltando à frente dos nossos olhos. A utilização de instrumentos estatais para intimidar críticos do governo ou membros do STF tem se tornado mais frequente no Brasil. Durante as eleições, o documentário da Brasil Paralelo foi censurado pelo TSE, no que se chamou de inibição temporária. Alguns veículos de comunicação, como a Gazeta do Povo e o Antagonista, além de alguns comentaristas (Bárbara do Te Atualizei e Adolfo Sachsida), não podiam estabelecer uma relação entre Lula e Daniel Ortega e outros ditadores. Jornalistas e comentaristas, como Paulo Figueiredo e Rodrigo Constantino, tiveram seus passaportes cassados, contas bancárias bloqueadas e redes sociais suspensas por suas opiniões. O advogado e comentarista Pavinatto teve que depor na PF por afirmar que o Comando Vermelho domina os morros no Rio de Janeiro (ele é investigado por “fake news”). Por fim, a revista Crusoé foi tirada do ar, e o editor Mário Sabino foi obrigado a prestar esclarecimentos à PF, pela divulgação de uma matéria que trazia a delação de Marcelo Odebrecht citando um ministro do STF, quando ele era ainda Advogado Geral da União (“amigo do amigo do meu pai”).

Até o Twitter entrou na ciranda da censura. Segundo Elon Musk (dono do X, antigo Twitter) e o relatório elaborado por uma comissão da Câmara dos Deputados dos EUA, houve pedido de derrubada de perfis do Twitter pelo STF, sem uma explicação clara do motivo. Ora, sabemos que a transparência é base de qualquer democracia.

Além do cerceamento estatal da liberdade de expressão, ocorre também a censura por parte das empresas que cedem a grupos de pressão esquerdistas. Pessoas são canceladas e demitidas de empresas caso suas opiniões nas redes sociais baterem de frente com a agenda progressista.

A escalada da censura salta aos nossos olhos. Muitos brasileiros não se importam com a perda da liberdade de expressão porque não vivem exatamente de opinião. Estão mais preocupados em trabalhar e ter boas condições econômicas para tocarem as suas vidas (trocar de carro, viajar, etc.). Infelizmente não percebem que é justamente a liberdade de expressão a peça fundamental para o desenvolvimento econômico e o conforto material da sociedade. A relação causal pode não ser óbvia, mas as consequências serão certas e ruins.  Os dados empíricos sugerem essa relação, e a história nos prova.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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