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Alan Ghani

Alan Ghani

Desastre no RS: como a responsabilidade fiscal pode ajudar vulneráveis

(Foto: EFE/Andre Borges)

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As enchentes no Rio Grande do Sul são uma tragédia humanitária, econômica e social. Eventos climáticos severos acontecem no mundo todo - e não é de hoje. Inundação do rio Amarelo na China em 1887, ciclone Coringa na Índia em 1839 e agora as fortes chuvas no estado gaúcho são exemplos de como o homem não consegue impedir as forças da natureza. Diante dessa impotência, a questão primordial que se coloca é: dada a certeza da ocorrência em algum momento de um evento climático severo (tempestade, furacão, etc.) como lidamos com as consequências da tragédia?

Sob esta perspectiva, há um abismo entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidas. Nos EUA, por exemplo, há um sistema de alertas em celulares para todos os cidadãos evacuarem determinada região antes da chegada de uma tempestade. Enquanto na América esse sistema (Emergency Alert System) foi criado em 1997, no Brasil estamos ainda na fase de discussão.

Outra diferença é a rapidez com que os auxílios governamentais são disponibilizados para as pessoas e a infraestrutura é reconstruída nas áreas atingidas. Regiões do Japão e dos EUA são frequentemente atingidas por eventos climáticos severos, mas conseguem se reconstruir mais rapidamente comparados a outras áreas do planeta.

É claro que sistema de alertas eficientes, auxílios emergenciais e recursos para infraestrutura custam muito dinheiro. E para se ter muito dinheiro nessas horas, é necessário que o Estado tenha feito a lição de casa da responsabilidade fiscal.

Estados fiscalmente responsáveis conseguem ter uma folga de caixa e uma capacidade de endividamento muito maior para disponibilizar recursos necessários para situações de emergência. Em sentido contrário, governos gastadores e super endividados têm pouco caixa e só conseguem disponibilizar recursos para as áreas afetadas se endividando mais com a sociedade a taxas de juros elevadas, levando a relação dívida/PIB a patamares insustentáveis.

É a mesma lógica da economia de uma família. As famílias poupadoras conseguem em situações de emergência usar seus recursos ou tomar empréstimos a taxas de juros menores. Já as famílias endividadas, em situação de emergência, são obrigadas a tomarem mais dinheiro no banco com taxas de juros elevadas, aumentando o seu endividamento e as despesas financeiras futuras.

O Brasil é a família super endividada no cheque especial. Pior. É a família perdulária que gasta como se não houvesse amanhã, sem entender a real necessidade do controle das contas públicas (arrecadar mais do que se gasta). Nesta lógica perversa, o governo financia o elevado gasto público via aumento de impostos e de endividamento.

Os fatos não me deixam mentir. Todas as propostas do atual governo foram tomadas por aumento da arrecadação. Elevação da tributação de offshore, fim do diferimento de impostos para fundos exclusivos e recriação do DPVAT (seguro obrigatório para proprietários de carros e motos) são exemplos da fúria arrecadatória governamental.

Estados fiscalmente responsáveis conseguem ter uma folga de caixa e uma capacidade de endividamento muito maior para disponibilizar recursos necessários para situações de emergência

Há outras propostas ainda não aprovadas, mas que trazem aumento de impostos, como elevação da tributação sobre herança e cobrança de impostos no pagamento de dividendos. A própria reforma tributária traz a possibilidade de termos o maior IVA (imposto sobre valor agregado do planeta) do mundo, com a alíquota chegando a 27%.

Enquanto a fúria arrecadatória cresce, as despesas do governo aumentam ainda mais. Em 2023, as despesas cresceram 12,5%, descontando o efeito da inflação. No mesmo período, mesmo com maior tributação, a arrecadação caiu 0,12% em termos reais. Se a despesa cresceu 12,5% e a arrecadação caiu 0,12%, evidentemente o resultado primário, que excluiu as despesas com juros, piorou em relação a 2022. O déficit primário do governo ficou em R$ 230,5 bilhões (2,1% do PIB). Mesmo excluindo as despesas extraordinárias com precatórios, o déficit seria de R$ 138,1 bilhões (1,3% do PIB). Uma cifra e tanto!

O rombo das contas públicas mostra a ineficiência das medidas focadas apenas na arrecadação. Sem dúvida, a falta de contenção de gastos foi responsável pela piora significativa do resultado fiscal do governo. A começar pela PEC de Transição que abriu um rombo de R$ 168 bilhões nas contas públicas. Nenhuma medida de enxugamento da máquina pública, diminuição do Estado, privatização ou reformas de custeio. Nada. No máximo, falas da Simone Tebet reforçando a necessidade de responsabilidade fiscal.

A construção orçamentária do Estado brasileiro – especialmente deste governo - é sustentada no fracasso de ideias desenvolvimentistas e keynesianas tão presentes ao longo da nossa história econômica. A lógica é: gasta-se mais para impulsionar o consumo; assim, o PIB cresce, e a arrecadação sobe. Só esquecem de combinar com os investidores que agem racionalmente entendendo que o aumento do gasto leva a taxas de juros mais altas por conta do aumento do risco e da diminuição da poupança nacional.

Além disso, essa lógica não leva em conta imprevistos. Neste mundo da farra fiscal, não existem riscos, como desastres naturais, pandemia ou crises econômicas internacionais, nos quais o governo será obrigado a gastar mais e se endividar. Ignoram as incertezas futuras e gastam excessivamente justamente nos momentos de mais estabilidade e calmaria.

Infelizmente, esse pensamento é alimentado pela maioria dos políticos brasileiros, principalmente pelo atual presidente. Lula, para defender mais despesas, se coloca acima dos conceitos básicos de contabilidade e economia, não fazendo distinção alguma entre gastos de custeio e investimentos. E não para por aí. Para justificar mais gastos, argumenta que os EUA e o Japão são mais endividados que o Brasil.

De fato, esses países têm uma relação dívida PIB maior que a brasileira. No entanto, há diferenças importantes. A primeira é sobre a credibilidade. A confiança na economia americana ou japonesa é muito maior do que na nossa. Assim, mesmo com maior endividamento, eles têm muito mais capacidade de emprestar dinheiro de investidores e rolar essa dívida. A segunda, especificamente válida no caso americano, é o privilégio de serem o país emissor de dólar. Em último caso, conseguem financiar sua dívida com emissão de dólares, gerando evidentemente inflação mundial. Terceiro, o superendividamento deles também traz problemas para esses países.

O ponto central é que o patamar de endividamento brasileiro é perigoso, e não tomamos nenhuma medida para conter isso. Para piorar, surgem crises internacionais, pandemias e catástrofes naturais que nos forçam a gastar mais. Se tivéssemos responsabilidade fiscal em períodos de bonança, haveria muito mais dinheiro e capacidade de endividamento para lidar com os desastres naturais, como este do Rio Grande do Sul. Além disso, as consequências econômicas da elevação necessária do gasto público em combate a tragédias seriam menos indolores.

Esta simples constatação é de difícil entendimento para burocratas, tecnocratas e políticos brasileiros. Acreditam que dinheiro é infinito e não fruto da produção de bens e serviços. Não entendem que o orçamento é limitado e que o dinheiro do governo é nosso, fruto da cobrança de impostos da riqueza gerada pela sociedade ou de empréstimos contraídos com ela. Não compreendem que não existe responsabilidade social sem responsabilidade fiscal.


Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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