Não é curioso uma agência de classificação de risco elevar o rating de crédito do Brasil, e a moeda norte americana subir? Essa discrepância mostra como os fundamentos sempre se impõem no mundo real. Pode aumentar a nota de crédito, o ministro da Fazenda prometer ajuste fiscal, o governo fazer marketing, mas os preços dos ativos (títulos públicos, dólar, ações) não mentem.
A elevação da moeda norte americana tem muito mais a ver com fatores internos do que os externos. Prova disso é que o DXY, índice que mede a variação do dólar frente a uma cesta de moedas, desvalorizou 2,31% em um ano, enquanto o real se depreciou 14% em relação à moeda americana no mesmo período.
É verdade que a menor queda de juros nos EUA, a desaceleração da economia chinesa e as tensões geopolíticas no Oriente Médio contribuíram para a elevação da moeda norte-americana recentemente. Mas, sem dúvida, o risco fiscal brasileiro é o principal fator para explicar a guinada do dólar.
Com relação aos juros nos EUA, de fato, havia anteriormente uma expectativa de queda mais intensa do Fed Fund Rate (equivalente à Selic por aqui). No entanto, recentemente, alguns dados trouxeram preocupações inflacionárias com impacto no mercado de juros americano.
O payroll, criação de vagas no mercado de trabalho privado não agrícola (equivalente ao nosso Caged), veio bem acima do consenso de mercado com criação líquida de 254 mil empregos. A taxa de desemprego também veio melhor que a projeção dos analistas, recuando de 4,2% em agosto para 4,1% em setembro. Um mercado de trabalho aquecido traz possiblidade de mais consumo, elevando o risco inflacionário.
O risco fiscal brasileiro é o principal fator para explicar a guinada do dólar
Para piorar, o último dado de inflação também veio acima do esperado. O CPI (Consumer Price Index) subiu de 0,2% em setembro. Com esse cenário, o mercado passou a acreditar que o Banco Central americano (Fed) reduzirá o juro básico da economia com mais cautela, o que pressionou as taxas dos títulos públicos nos EUA. Mais prêmio na renda fixa americana significa maior procura por dólares, valorizando-o frente às outras moedas.
A perspectiva de menor crescimento da China também ajuda a explicar a valorização da moeda norte-americana. Quando o gigante asiático cresce abaixo do esperado, compra menos commodities do Brasil, diminuindo a entrada de dólares por aqui. Com menos oferta de dólares, a moeda norte-americana sobe perante o real.
As tensões geopolíticas também explicam a alta do dólar. Uma possível escalada no conflito no Oriente Médio eleva o risco sistêmico, devido ao aumento da incerteza geopolítica, com impactos na economia real (elevação do petróleo, por exemplo). Perante essa incerteza, o investidor se antecipa, comprando uma moeda forte como o dólar.
Sem dúvida, todos esses fatores contribuem para a alta da moeda norte-americana. Mas nada impactou mais a guinada do dólar do que as perspectivas fiscais brasileiras. A incerteza fiscal se traduz em risco de crédito. Na medida em que o governo se endivida mais para fechar as suas contas, aumenta a chance de o Estado brasileiro não honrar o pagamento da sua dívida.
O cenário fica ainda pior, pois não há perspectiva de redução do déficit nominal, que hoje consome praticamente 10% do nosso PIB. Se o déficit não ceder, evidentemente, o governo terá que se endividar mais para fechar as suas contas. É praticamente consenso de que a dívida pública brasileira ultrapassará a marca de 80% do PIB em 2025. De acordo com o FMI, a dívida brasileira chegará a 100% do PIB em 2030.
Em resumo, o descontrole das contas públicas aumenta o risco de crédito. Diante de mais risco, o investidor pede mais prêmio para financiar o governo (taxas dos títulos públicos em alta), corre para uma moeda forte para se proteger (dólar em patamar elevado) e vende suas ações (não acredita em prosperidade das empresas num ambiente de deterioração fiscal). O dólar a R$ 6,00 não é uma realidade muito distante.
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