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Presidente Lula com os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet.
Presidente Lula com os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet.| Foto: Ricardo Stuckert/PR

Aparentemente caiu a ficha do mercado financeiro sobre a falta de compromisso fiscal do atual governo. Até demorou para a Faria Lima deixar de acreditar no Lula “pragmático”, mesmo que ele nunca tenha dado um sinal durante a campanha que seria mais ortodoxo na economia.

O fato é que os “Faria Lulers” deram um voto de confiança ao presidente. Compraram o discurso da grande mídia de que era necessário derrotar o “fascismo de Bolsonaro”.  Construíram um Lula idealizado, capaz de tirar o Brasil “do retrocesso”, num verdadeiro espetáculo de dissonância cognitiva coletiva. Em nome da “frente pela democracia”, negaram o óbvio: a falta de compromisso fiscal sempre esteve presente, desde a campanha até agora.

O primeiro sinal de descontrole com as contas públicas foi a troca da regra do teto de gastos pelo novo arcabouço fiscal, o qual traz dois problemas na origem. O primeiro é vincular o crescimento da despesa a 70% do aumento da arrecadação, tornando o gasto invariavelmente crescente. Se aumentar a arrecadação, gasta-se mais, mesmo que numa proporção menor. O segundo problema é que essa regra vale, desde que o aumento do gasto seja no mínimo de inflação acrescida de 0,6%. Ou seja, o gasto sempre vai ser 0,6% superior à inflação.

Depois da criação do arcabouço fiscal, todas as medidas anunciadas pelo governo foram de aumento da arrecadação, e não de corte de despesas. Entre as medidas arrecadatórias, estão a tributação anual de trusts e offshores, fim do diferimento tributário para fundos exclusivos, volta do PIS/Cofins para combustíveis e voto de qualidade do CARF favorável ao governo.

Se o esforço para aumentar a arrecadação é notório, não se pode dizer o mesmo sobre as medidas de corte de gastos. As políticas de diminuição de despesas se limitaram apenas a bloqueios e contingenciamentos provisórios, e pentes finos em algumas contas do governo (previdência e bolsa-família). Não que essas medidas sejam erradas, mas são limitadas para estancar o crescimento da dívida pública. Além disso, o arcabouço fiscal é cheio de exceções permitindo gastos fora da regra. 

Para piorar, o governo antecipa despesas, mesmo sem a garantia de receitas, como ocorreu com a aprovação pelo Congresso Nacional de R$15 bilhões extras em abril. Claro, tudo pelas emendas, toma lá dá cá, ainda mais em ano eleitoral. 

Outra artimanha foi não contabilizar os gastos com as enchentes no Rio Grande do Sul. Não se trata de negar a ajuda ao estado – pelo contrário -, mas por que deixar essa despesa fora da meta fiscal se o dinheiro foi gasto? A quem interessa esse tipo de maquiagem da realidade? 

O drible na meta fiscal não se dá apenas em tragédias; mas na utilização dos fundos estatais para aumentar o gasto e subsidiar o crédito, sem passar pela regra do arcabouço. 

A vontade de gastar é tanta, que cogitaram tirar os gastos das estatais do Orçamento da União, gerando forte turbulência no mercado.

Esses contornos até passam por cima da meta fiscal (resultado primário de 0% com tolerância de -0,25%/PIB), mas não conseguem driblar o déficit nominal (receita menos gasto total, incluindo juros) e nem a elevação do endividamento público. O déficit nominal, corrigido pela inflação (a valores reais) passou de R$696 bilhões em agosto de 2023 para 1,037 trilhão em agosto de 2024, um crescimento de 48,8%; enquanto a dívida pública, no mesmo período, subiu de 73,19%% para 78,51%. Não tem jeito, se o governo está gastando mais, o dinheiro tem que sair de algum lugar. Por isso a dívida é crescente.    

Com tantas evidências de deterioração das contas públicas, o mercado finalmente despertou, e colocou racionalmente o problema fiscal no preço do dólar e nos juros futuros. Desde o início do ano, o dólar passou de R$4,92/US$ para R$5,82/US$, alta de 18,3%; enquanto a taxa de juros prefixada com vencimento em 2029 passou de 10,21% para 12,93%.

A alta dos juros de mercado e a elevação do dólar preocupam o governo. Juro mais elevado encarece o crédito, penalizando a atividade econômica – investimento das empresas e consumo das famílias

Dólar mais alto potencializa a inflação, na medida em que eleva os custos de produção, encarecendo o preço final das mercadorias.

O mau humor do mercado financeiro só antecipa a piora econômica a vir pela frente. Um enfraquecimento da economia gera inevitavelmente consequências políticas para o governo. A situação se torna mais delicada, uma vez que o PT teve um desempenho pífio nas eleições municipais, inclusive gerando brigas públicas dentro do próprio partido.

Diante do risco econômico e político, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, avisaram que lançarão uma PEC com corte de gastos. Resta saber quando vai sair a PEC e quais serão os cortes. Aparentemente, o mercado aprendeu, e não se animou com as intenções dos ministros, até porque tudo ainda está muito vago, no campo das intenções.

Em breve, alguma medida deverá ser anunciada; mas, provavelmente, o corte não será nos gastos estruturais. O governo já sinalizou que não pretende mexer em desvinculação de gastos com saúde e educação com receitas da união, e nem com a desindexação do salário mínimo às aposentadorias. Também não pretende mexer nos excessos de privilégios do funcionalismo público, tampouco reduzir subsídios. Em outras palavras, não vão mexer no vespeiro dos gastos estruturais, sem resolver o problema de fato. O dólar agradece.

Conteúdo editado por:Aline Menezes
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