Como diria Pedro Malan: no Brasil, até o passado é incerto. Nós vivenciamos um grave arrefecimento do direito de propriedade no país. Desta vez, não falo do MST ou MTST, e outros movimentos de invasão ilegal de terras. A questão é mais grave, e ocorre pelo próprio Estado. Recentemente, o ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) bloqueou os ativos da Starlink para pagamento da multa imposta ao Twitter (X). De acordo com o ministro, a justificativa para a ação é que as empresas pertencem ao mesmo grupo econômico.
A justificativa não é verdadeira. Isso porque, para caracterização de um mesmo grupo econômico, deve-se observar comunhão de interesses das empresas, atuação de forma organizada a fim de atingir os objetivos em comum, solidariedade de obrigações trabalhistas, intercâmbio de recursos, entre outros aspectos.
Esses fatores mostram que Starlink e Twitter (X) não pertencem ao mesmo grupo econômico. Assim, Elon Musk, sócio de ambas as empresas, não deveria arcar com multas do Twitter via Starlink.
O Direito Empresarial deixa essa regra muito clara. Tanto é verdade que os três sócios majoritários das Americanas, com sociedades em outras empresas, não pagaram os credores da rede de varejo com o caixa de outras companhias - Ambev, por exemplo.
O que mais preocupa nesta decisão de Moraes é o precedente deixado para instâncias inferiores da Justiça. Em tese, o STF é o exemplo, a referência máxima em Justiça no país. Ora, se o próprio STF não dá o devido exemplo, respeitando o ordenamento jurídico brasileiro, com decisões questionáveis e arbitrárias, o que diremos das outras instâncias da Justiça.
Daqui a pouco, um juiz de primeira instância poderá se sentir à vontade para tomar a mesma decisão. Afinal, o STF dá o exemplo, seja por súmulas vinculantes, ou por jurisprudência. Imagina se a moda pega. O Brasil inteiro será passível de arbitrariedades.
Vamos lembrar que o não pagamento da multa pelo Twitter (X), e a saída do representante legal do Brasil, não foi um ato aleatório, mas começa com um processo para lá de esquisito: a suspensão de contas no Twitter (X), de jornalistas a senadores, por ordem do STF, sem explicação de motivos e participação do Ministério Público. Além disso, a decisão feriu também o sistema acusatório e o direito à ampla defesa dos envolvidos.
Quanto ao sistema acusatório, o STF é a suposta vítima, investigador, promotor e juiz, num claro conflito de interesse. Em relação ao direito à ampla defesa, as pessoas, além de não saberem os motivos pelos quais as contas foram suspensas, não puderam recorrer a advogados.
Esses fatos mostram que a liberdade de expressão no Brasil foi colocada em xeque. O Estado, na figura do STF, testou os limites da liberdade de expressão no país
A sociedade aceitou, principalmente aqueles que poderiam colocar um freio neste processo: ministros do próprio STF (autocontenção), Senado (leis ou abertura de processo de impeachment, por exemplo) e setores da imprensa (pressão, é o 4º poder).
O Leviatã estatal, assim como um tubarão, sentiu fraqueza da sociedade civil, e avançou. Depois de testar os limites da liberdade de expressão, avançou em cima do direito de propriedade. Também não houve resistência quanto ao bloqueio dos ativos da Starlink para pagar o Twitter (X). Pelo contrário, houve complacência dos pares do STF, Senado, acadêmicos e setores da mídia.
É comum ouvirmos o clichê “decisão judicial se cumpre”. E quando essas decisões ferem a Constituição do Brasil e os princípios do Estado Democrático de Direito, o que fazer?
Elon Musk optou por não pagar as multas, e retirar o representante legal do país, num ato que representou a mensagem deixada pelo antológico livro a “A Revolta de Atlas” (isso não foi um spoiler).
Em contrapartida, o STF suspendeu a maior rede social de informações do planeta no Brasil. Os profissionais brasileiros estão completamente ilhados num mundo globalizado de informações.
Causa surpresa que a decisão contou com o apoio de jornalistas e acadêmicos brasileiros. Essas pessoas não percebem que também são prejudicadas pela saída do Twitter (X) do país.
Não falo apenas de prejuízos em termos de acesso às informações, mas também pelos aspectos econômicos da decisão. É evidente que o capital não sairá do país amanhã, mas o risco de mega investidores preferirem outras economias emergentes ao Brasil é real.
Um pilar inegociável no mundo dos investimentos é o direito à propriedade. O investidor topa todos os riscos, menos o risco institucional, ou seja, a mudança da regra do jogo no meio do jogo. O STF trouxe à tona esse risco com a utilização dos ativos da Starlink para pagamento das multas impostas ao X (Twitter).
É imprescindível que os ministros do STF tenham também um olhar holístico, para além das fronteiras do Direito, entendendo que o desenvolvimento econômico é fortemente associado à liberdade de expressão, direito de propriedade e segurança jurídica. Caso contrário, teremos consequências econômicas no mundo real.
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