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Parte da Faria Lima apoiou Lula
Luiz Inácio Lula da Silva| Foto: André Borges/EFE

Ortega Y Gasset em seu antológico livro “Rebelião das Massas” chamou a atenção para o fenômeno do homem massa – aquele que, por ser muito bom em sua área de atuação, se sente habilitado e preparado para falar de qualquer assunto. 

Durante as eleições, surgiram vários “homens massa” no mercado financeiro. Entendiam muito de preços de ativos e economia, e pouco de política.

Alguns badalados gestores de fundos, e competentes economistas, compraram a ideia de que Lula seria aquele homem pragmático do primeiro mandato, que manteve o tripé macroeconômico até 2006 (câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e meta de inflação). Acreditaram que, uma vez eleito, manteria o ajuste fiscal iniciado no governo Temer.

É engraçado que essa crença ocorreu sem nenhum lastro na realidade. Durante a campanha, Lula não deu nenhum sinal de que seria liberal e pró-mercado

Pelo contrário, o próprio José Dirceu confirmava isso: “Lula não admitiu nem nomear ministro, nem admitiu assumir compromissos, seja sobre a manutenção do teto; pelo contrário, nas entrelinhas do discurso dele, ele deixa claro que investimentos em tecnologia, saúde e educação (...). Também deixa claro o papel da Petrobras e da Eletrobras”. 

Não só Dirceu, mas Guilherme Boulos também dizia com todas as letras que Lula iria retomar o investimento público, revogar o teto de gastos e a reforma trabalhista, ou seja, não traria ideias liberais em seu governo. 

Além das declarações de seus importantes aliados, Lula não teria nenhum incentivo para ser pragmático, como no primeiro mandato. Analisando sob a ótica da época, antes de ele ser eleito, já havia sido presidente duas vezes e ficou preso por 1 ano e 7 meses. 

Do ponto de vista psicológico, o ressentimento com a prisão, misturado com a volta ao poder, provavelmente não daria nenhum incentivo a ele agir de maneira diferente para conquistar o mercado, a classe média e a oposição. Pelo contrário, no seu terceiro mandato, dada essas circunstâncias, falaria o que bem entendesse, sem importar muito com as consequências no mundo real. Até porque, com idade avançada, talvez fosse a sua última presidência, e não teria mais nada a perder. Lula pode ser acusado de qualquer coisa, menos de estelionato eleitoral. Ele, seus colegas, e as próprias circunstâncias deixavam evidente que, caso eleito, Lula 3 não seria Lula 1, mas Dilma.

As premissas se confirmaram. Assim que eleito, os primeiros sinais, do que já era óbvio durante as eleições, começaram a se concretizar. A PEC da Transição não deixava dúvidas ao abrir um espaço no orçamento de quase R$170 bilhões. Depois veio o arcabouço fiscal, deixando mais claro a falta de compromisso com as contas públicas. 

A nova regra fiscal era convidativa ao gasto, por dois motivos. Primeiro, porque atrelava o aumento do gasto com a elevação da arrecadação, incentivando o ajuste pelo lado dos impostos, e não pelo corte de despesas. Segundo, que a regra traz um piso mínimo de gastos acima da inflação. (IPCA+0,6%). Enquanto o Teto de Gastos limitava o crescimento da despesa à inflação, o arcabouço fiscal possibilita sempre que o governo tenha gastos de pelo menos 0,6% superior à inflação. 

Como se não bastasse a PEC de Transição e o frágil arcabouço fiscal, o governo voltou com os mínimos constitucionais de gastos com saúde e educação, engessando o orçamento e atrelando essas despesas com a receita governamental, o que só torna o gasto crescente. Gastar com saúde e educação sempre tem um apelo positivo, pois são despesas nobres. No entanto, no mundo real, o dinheiro e o orçamento são limitados. Para deixar o cenário fiscal mais nebuloso, também vincularam as aposentadorias e os benefícios previdenciários com o salário mínimo, tornando essas contas insustentáveis no longo prazo.

Mas a piora não ocorre apenas do lado fiscal, mas também na gestão. Demissão do presidente da Petrobras, com a possível volta dos investimentos em refinarias e fertilizantes – políticas que mostraram desastrosas no passado -, tentativa de interferência na Vale, e a ideia de que os bancos estatais devem ser indutores do crescimento econômico, são exemplos de ações ineficientes do governo Lula.

Elevado gasto público, tentativa de interferência em estatais, protagonismo do BNDES e Estado como indutor do crescimento econômico, são as peças que compõem o quadro das políticas heterodoxas e desenvolvimentistas, tão queridas pelos economistas de esquerda. 

Para fechar o quebra cabeça, só faltava a ideia de que a taxa de juros tem que cair a qualquer preço para alavancar o crescimento econômico, mesmo com piora fiscal e desancoragem das expectativas inflacionárias. Essa ideia se concretizou.

Recentemente, o presidente Lula tem feito duras críticas ao Banco Central na condução da política monetária. O mercado entende que, em 2025, com uma maioria de diretores indicados por Lula, o Banco Central poderá reduzir a Selic, mesmo com piora na inflação. Há um temor que se repita o que aconteceu com o governo Dilma. Aliás, por ora, o roteiro é muito semelhante: alguns indicadores econômicos positivos no presente, piora do quadro fiscal, pressão para o Banco Central reduzir a taxa de juros e piora de variáveis do mercado financeiro, antecipando uma crise futura. 

Diante desse cenário, a pergunta é: por que economistas e gestores tão bem sucedidos em suas respectivas áreas não enxergaram o óbvio brotar na frente dos olhos? Por que entraram agora num processo de dissonância cognitiva, de discrepância entre o mundo idealizado por eles com o mundo real? 

Talvez porque essas pessoas se informam apenas pela grande mídia que assumiu uma posição abertamente contra Bolsonaro. Compraram a ideia de que Lula seria um presidente democrático e pragmático, a fim de derrotar o “fascismo imaginário” de Bolsonaro. 

Enquanto, na primeira eleição de Lula, o slogan foi a “esperança venceu o medo”; nessa, a frase poderia ser “a narrativa venceu a realidade”. Agora é Lula, agora é tarde.  

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