Muitos economistas estão dizendo que o mundo se tornará mais inflacionário com a vitória de Trump. Isso, pois o republicano defende medidas protecionistas e pretende trazer de volta empresas americanas da China para os EUA.
As medidas protecionistas teriam impactos nos preços. Primeiro, porque o produto exportado chegaria mais caro nos EUA, devido ao imposto de importação. Segundo, porque a diminuição das importações elevaria a taxa de câmbio real americana. Como muitas matérias-primas são cotadas em dólar, a elevação da moeda americana encareceria o processo produtivo em vários países, gerando alta nos preços.
Antes de tirarmos conclusões apressadas, é necessária alguma reflexão. Primeiro, o que é discurso de campanha, e o que será implementado de fato? Elevar tarifas de importação não é tão simples, primeiro, porque há acordos na Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo, porque haveria resistência da própria população norte-americana, atualmente descontente com a elevação do custo de vida.
Caso haja uma elevação geral de tarifas de importação, praticamente todos os preços dos produtos do Walmart made in China ficariam mais caros. Não me parece crível essa ideia, pois afetaria diretamente a sua popularidade. Possivelmente, se ocorrer barreiras alfandegárias, deverá ser pontuais, trazendo elevação de preço para alguns setores, mas não uma alta generalizada.
Com relação ao processo das empresas americanas voltarem para os EUA (onshoring, reshoring ou nearshoring) também não é tarefa simples. O presidente não tem o poder de obrigar Nike, Apple, Dell, Intel, etc., a voltarem imediatamente para o seu país. Essas empresas não agem por patriotismo, mas são movidas racionalmente pelo lucro.
Enquanto os custos de produção forem mais vantajosos na China, essas companhias continuarão por lá. Somente voltarão para os EUA, ou para o México, se suas operações se tornarem mais baratas nesses países. Sob essa hipótese (países com menor custo de produção), haveria inclusive uma queda do preço das mercadorias.
No entanto, é difícil encontrar um país hoje que reúna, ao mesmo tempo, tantas vantagens de produção como a China - organização, infraestrutura, e mão de obra barata e disciplinada. No mundo real, Trump não consegue obrigar as empresas americanas a saírem imediatamente de lá.
É provável que o discurso de Trump, sobre trazer essas firmas para os EUA, seja muito mais uma promessa de campanha para atender a insatisfação da classe trabalhadora americana, que hoje complementa sua renda com dois ou mais empregos, por conta da perda do poder de compra com a inflação dos últimos anos.
Um erro de muitos analistas é acreditar que as medidas defendidas por Trump, no comércio internacional, são fáceis de serem implementadas, ignorando toda a complexidade e reação do mundo real
Como diz Nassim Taleb, fazem análises estáticas, e não dinâmicas, ignorando as reações dos outros atores envolvidos.
Se o protecionismo e a repatriação de empresas americanas são mais difíceis de serem implementados, não se pode dizer o mesmo em relação ao corte de impostos. Como um bom republicano, Trump defende a redução tributária, o que traz aquecimento da atividade econômica, e pode, inclusive, gerar aumento de arrecadação para o governo.
De acordo com a Curva de Laffer, a redução da alíquota de imposto pode ser compensada pela geração de mais renda (aumento da base) a ser tributada pelo governo, elevando a receita do governo.
Como os EUA têm facilidade em rolar a sua dívida, conseguem cortar impostos, apesar do alto déficit e endividamento. Porém, é possível que o corte de impostos venha acompanhado de redução de gastos. Pelo menos essa é a intenção do novo presidente. Durante a campanha, o republicano disse em trazer a relação gastos federais/PIB, atualmente em 24%, para o patamar de 1890 (3%). É praticamente impossível uma redução dessa magnitude no curto prazo. No entanto, se o republicano conseguir estabilizar a dívida e o gasto público, já será um grande feito.
A redução do gasto poderia ser alcançada com duas propostas defendidas por Trump: diminuição de despesas militares (OTAN) e contenção da imigração ilegal, que sobrecarrega a seguridade e assistência social dos EUA.
Mas o maior trunfo de Trump na área econômica é a busca pela estabilidade geopolítica. Ao contrário dos Democratas e dos Neoconservadores (neocons), Trump não sai escalando à toa conflitos no mundo. Faz discursos duros, mas não provoca a ira de outras potências desnecessariamente, como visitas sem necessidade a Taiwan (Nancy Pelosi) ou expansão da Otan em áreas de influência Russa (Obama e Biden).
Com Trump, não houve guerra entre Rússia e Ucrânia, não porque ele falava grosso com o Putin – até porque um conflito direto entre ambos seria o fim da humanidade -, mas por ser um bom negociador e ler corretamente o tabuleiro geopolítico, entendendo os riscos colocados na mesa.
Em 2007, a Rússia já havia deixado claro que, se houvesse aproximação da Otan com a Geórgia e Ucrânia, os EUA cruzariam uma linha vermelha. Podemos até achar injusto essa condição, pois a Ucrânia, como um país livre, tem o direito de entrar em qualquer organização internacional. Porém, essa visão ignora a realidade: a Rússia jamais vai aceitar a Otan no seu quintal, muito menos o patrocínio do governo americano a grupos insurgentes, como ocorreu nas suas fronteiras com Geórgia e Ucrânia.
Nesse jogo, vale a pena enfrentar a Rússia numa guerra por procuração, e assumir todas as consequências; ou evitar o conflito, como Trump fez, entendendo que a Ucrânia poderá ser livre, mas jamais se aproximar da Otan?
Trump entende que os EUA têm limitações geopolíticas, não sendo mais aquela superpotência hegemônica, impondo seus objetivos de maneira unilateral, como fazia no início da década de 90. De lá para cá, surgiram novos atores. A China se tornou uma superpotência militar e econômica. A Rússia se reorganizou, mantendo a condição de superpotência militar e grande produtora de petróleo, commodities metálicas e agrícolas.
Nessa nova configuração, Trump faz parte daquela linha conservadora, de que os EUA deveriam se voltar mais para a resolução de problemas internos (criminalidade, imigração ilegal, economia), deixando de ser a polícia do mundo, uma vez que o país tem gastado trilhões de dólares nas últimas décadas com resultados pouco desastrosos.
O Iraque custou muito caro em termos econômicos e de vidas, e não se tornou uma democracia. Pelo contrário, o país é um caos dominado por milícias. No Afeganistão, os militares americanos ocuparam o país por quase 20 anos e saíram às pressas, deixando US$90 bilhões de dólares em equipamentos bélicos para 150.000 criadores de cabra do Talibã. Com relação à Ucrânia, o balanço até agora é de milhares de mortes de civis, êxodo da população, encarecimento de commodities e petróleo, freio no processo de globalização (desaceleração ou fragmentação) e busca de diversificação do dólar nas relações comerciais por outros países.
Trump entende corretamente que a política externa americana tem sido um desastre, apesar de muitos esquerdistas e neocons enxergarem a escalada e a guerra como a única solução
Costumam sempre evocar Winston Churchill contra Chamberlain para justificarem o embate, como se aquela solução da Segunda Guerra fosse replicável para todas as situações, e o confronto armado seja a única solução. De fato, naquela ocasião, a guerra foi necessária; mas, em diversas outras, se mostrou um desastre que poderia ter sido evitado no campo das negociações.
Por ser racional, pragmático e um excelente negociador, Trump evita conflitos. Vai mais na linha do “Arte da Guerra”, de Sun Tzu - a guerra é a última alternativa e deve ao máximo ser evitada. O republicano fala grosso, mas não faz nada de concreto para escalar. Durante o seu mandato, tivemos uma amostra disso.
O mundo foi mais estável em relação ao período Bush (Afeganistão e Iraque), Obama (Geórgia, Primavera Árabe – com reflexos até hoje) e Biden (Ucrânia x Rússia e Hamas-Hezbollah x Israel). Ao contrário desses presidentes, Trump governou voltado mais para os americanos, buscando a prosperidade econômica do país.
Apesar do mainstream midiático vender Trump como a “nova ameaça global”, ele é justamente o inverso disso. Com ele, o mundo pode se tornar mais estável geopoliticamente, o que é excelente para a globalização e para a economia mundial.
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