"Quando li 'professor da escola Bois d'Aulne decapitado', não tive dúvidas: era o sr. Paty". O relato é de um aluno de 16 anos para a AFP, em outubro do ano passado, sobre o caso hediondo que envolveu a morte de um professor de geografia na cidade de Conflans-Sainte-Honorine, de 35 mil habitantes, a cerca de 50 quilômetros de Paris.
Samuel Paty, um pai de família de 47 anos, era visto por alunos e pais como gentil, discreto, um homem de baixa estatura que usava óculos. Numa aula sobre liberdade de expressão, Paty mostrou as já famosas caricaturas de Maomé para seus alunos, alguns muçulmanos. Ele acabou pagando com a vida por sua "blasfêmia", mesmo estando em território francês e não nos arredores de Cabul, Bagdá ou Mossul.
O professor foi morto por um terrorista de 18 anos de idade, russo de origem chechena, que foi morto na perseguição policial após o crime. Um pai de aluna, muçulmano, foi preso após as investigações mostrarem postagens inflamatórias em vídeo nas redes sociais. Ele xingava o professor de "bandido", urgia outros pais a se unirem contra ele e pedir a sua demissão. Uma meia-irmã dele ingressou no Estado Islâmico em 2014.
O professor, na aula em que mostrou os cartuns, avisou antes aos alunos muçulmanos que eles poderiam sair da sala se quisessem. Alguns saíram, outros não, mas a notícia logo se espalhou e Samuel Paty acabou degolado. É um crime com um assassino identificado, mas a responsabilidade do pai que incitou o ódio nas redes sociais foi devidamente reconhecida. É um tipo de crime dos novos tempos e a legislação vai, aos poucos, acompanhando as mudanças da sociedade. Antes tarde do que nunca. Mas o que nós temos com isso?
No dia de ontem, uma equipe da CNN Brasil, uma emissora que está longe de ser identificada como anti-governista, foi hostilizada por uma horda bestializada de jihadistas de verde e amarelo, que obrigaram o repórter Pedro Duran e seus colegas de trabalhos a saírem das manifestações governistas escoltados pela polícia. Não há qualquer dúvida de que, sem a ação das forças de segurança presentes, os jornalistas perseguidos teriam sua integridade física comprometida. Desta vez, foi por pouco. E na próxima?
O Brasil caminha para a eleição mais polarizada da sua história, com militâncias radicalizadas de todos os lados, particularmente do lado governista que insiste na retórica belicista, tribalista e divisiva, que desumaniza os adversários, chamados constantemente de "vagabundos", "bandidos" e até "vermes", lembrando um xingamento comum contra judeus na Alemanha dos anos 30. Não termina bem.
Não há dúvidas que o povo brasileiro tem motivos de sobra para estar impaciente com a política, para dizer o mínimo, mas nada justifica a atitude contra jornalistas e, principalmente, a retórica incendiária de políticos e da militância encastelada em cidadelas virtuais muito bem remuneradas. A irresponsabilidade patrocinada ainda cobra preços módicos, mas há um claro escalonamento de hostilidades e falta pouco, muito pouco, para a violência sair do controle.
A "Marcha dos Vadios" virtuais, gente que aluga a garganta (apenas metaforicamente, espero) para projetos de poder, vociferando e direcionando ódio contra pessoas específicas, pintando um alvo imaginário no peito de desafetos, age como o pai muçulmano que criou as condições para que um adolescente desmiolado matasse um professor inocente.
Na França, quem incitou o ato hediondo foi responsabilizado, mas como seria no Brasil. Se acontecer, e rezamos para que não aconteça, algo de pior com alguém nas ruas do Brasil, como fica a conexão causal entre os radicais com microfone e os homens-bomba na ponta? Não é hora de omissão ou relativizações. É uma conversa complexa e delicada, mas que precisamos com urgência.
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