A novidade no mercado de pesquisas de opinião do país é o Instituto Ipec, formado por ex-executivos do Ibope Inteligência, que encerrou as atividades em janeiro. O levantamento divulgado na última sexta-feira (25) trouxe números devastadores para as pretensões de reeleição de Bolsonaro. Lula lidera com impressionantes 49% das intenções de voto no primeiro turno, contra meros 23% do atual presidente. Lula, segundo o Ipec, estaria praticamente eleito se o pleito fosse hoje.
Quando se coloca uma lupa nos números, a vantagem do ex-presidente chama ainda mais a atenção. Na medição do potencial de voto, em que o eleitor é perguntado se poderia votar em um determinado candidato, Lula tem 61% contra 33% de Bolsonaro. Lula vence em todos os cenários testados e Bolsonaro perde até entre evangélicos, público antes considerado fiel ao presidente. A rejeição a Bolsonaro bate nos simbólicos 50% do eleitorado, aumentando significativamente nas periferias.
Os analistas "mais ou minions" (expressão genial criada por Renan Santos) dirão que estamos a mais de 400 dias da eleição e a tendência será revertida, a retomada da economia e programas assistencialistas farão a diferença no humor da população nos próximos meses. Os independentes vêem um derretimento praticamente inédito na história do país que, antes de Bolsonaro, teve dois presidentes saindo do Planalto com índices recorde de rejeição. Dilma Rousseff chegou a tentar uma cadeira no senado por Minas Gerais em 2018, obtendo 15% dos votos válidos e amargando um constrangedor quarto lugar.
Quem está com a razão? Em parte, ambos. É fato que, a um ano e meio da eleição, tudo pode acontecer, e o presidente dá sinais de que não tem a menor disposição de aceitar um resultado desfavorável nas urnas, apelando para todo tipo de bravata. Ele repete incessantemente o bordão "só Deus me tira daqui" e coloca uma pressão adicional nas instituições democráticas do país. Bolsonaro volta a apostar em nichos de eleitores apaixonados, oferecendo vantagens clientelistas, como pedágio gratuito para motoqueiros, contando que eles façam o corpo-a-corpo na campanha em retribuição.
A pressão antidemocrática contra um processo de impeachment está longe de ser novidade. Vale lembrar que, segundo o General Villas Bôas, o governo Dilma chegou a sondar a cúpula militar para evitar o impeachment, mas os generais teriam deixado claro que defenderiam a Constituição contra qualquer virada de mesa. A ex-presidente nega as acusações, contadas em detalhes em "Tormenta", livro da jornalista Thaís Oyama sobre o início do governo Bolsonaro. Um dos filhos do presidente chegou a dizer que uma ruptura institucional era questão de tempo.
Os mesmos militares hoje mostram uma posição dúbia e emitem sinais contraditórios em relação à ordem democrática, como na infeliz entrevista do presidente do STM, general Luís Carlos Gomes Mattos, dizendo que a oposição está "esticando a corda". A Revista Piauí, no ano passado, chegou a relatar um episódio em que Bolsonaro teria decidido dar um golpe de estado, o que é negado pelos governistas. O presidente constantemente coloca em suspeição as urnas eletrônicas do país e ataca decisões do STF e do Congresso, chegando a dizer que venceu em 2018 no primeiro turno. Seria um caso curioso de uma eleição em que o fraudador perde.
Donald Trump foi derrotado no ano passado, em parte, pela percepção negativa de como lidou com a pandemia, episódio analisado aqui. O foco excessivo na retomada da maior economia do planeta, o mesmo de Bolsonaro, foi visto por muitos americanos como uma falta de empatia com as famílias devastadas pelo coronavírus. No Brasil, o ataque aos governadores e prefeitos e às medidas de isolamento social são ainda mais virulentos, com os resultados conhecidos em cadáveres.
Em resumo, o péssimo momento de Bolsonaro evidentemente pode ser revertido, mas hoje ele é um candidato-azarão e o Centrão, como era de se esperar, já ensaia um lento desembarque, não sem antes achacar quem tem a caneta do Tesouro e cada vez menos eleitores. A popularidade de Lula no Nordeste, reduto do Centrão, pode fazer a diferença. Para um político como Ciro Nogueira, por exemplo, ser contra Lula no seu estado, o Piauí, pode significar um suicídio político numa eleição geral.
O caso da compra da vacina indiana Covaxin, que mostraria não apenas incompetência na gestão da pandemia mas a conivência dolosa com o atraso fraudulento da vacinação para comprar doses superfaturadas num contrato de R$ 1,6 bilhão, pode enterrar as últimas chances de reeleição de Bolsonaro. Segundo o deputado Luis Miranda (DEM-DF), pivô das denúncias da semana passada, reforçando o que disse o ex-governador fluminense Wilson Witzel, pode ser apenas a ponta do iceberg de uma organização criminosa encastelada no Min. da Saúde.
Se a CPI da Covid chegar a provas claras de corrupção que causaram centenas de milhares de mortes, teremos o maior escândalo político da história do Brasil e a questão deixará de ser a reeleição, mas a aceitação democrática da derrota pelo presidente. Nesta situação, as Forças Armadas terão uma escolha pelo estado de direito ou pelo golpismo, pela Constituição ou por suas sinecuras no governo.
Pragmatismo não deve salvar Lula dos problemas que terá com Trump na Casa Branca
Bolsonaro atribui 8/1 à esquerda e põe STF no fim da fila dos poderes; acompanhe o Sem Rodeios
“Desastre de proporções bíblicas”: democratas fazem autoanálise e projetam futuro após derrota
O jovem que levou Trump de volta ao topo
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS