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Túmulo de Karl Marx é visto após novo ataque de vândalos, no cemitério de Highgate, em Londres
Túmulo de Karl Marx é visto após novo ataque de vândalos, no cemitério de Highgate, em Londres| Foto: Reprodução

Uma querida amiga, jornalista de quatro costados, invade meu WhatsApp como um Boulos virtual para fazer acusações ao “conservadorismo”. Recebo a mensagem com um legítimo cubano nas mãos, hábito (vício?) que já rendeu também denúncias hidrófobas de que comprar charutos é uma maneira de financiar o regime cubano. Quem não usa produtos da China comunista que atire o primeiro celular.

Nós conservadores gostamos de nos ver como essencialmente céticos em relação às abstrações ideológicas e contrários a qualquer tipo de ação que pretenda impor uma nova ordem política à força. Acreditamos que a sanha destruidora que sai da caixa de Pandora revolucionária é sempre maléfica e o saldo final acaba sendo contado em cadáveres de inocentes empilhados em covas coletivas. Lembrando Churchill, a democracia é a pior forma de governo exceto todas as outras que já foram testadas.

De volta aos conservadores brasileiros, temos sido acusados das piores infâmias por sermos associados a um governo que se diz conservador por ser antipetista e defensor do lema de inspiração integralista “Deus, Pátria e Família”. Para responder, é preciso recorrer, por mais cansativo que seja, aos autores que se debruçaram sobre o que é conservadorismo. Sei que é uma discussão constrangedora para quem quer negar eventuais semelhanças deste governo com o “verdadeiro conservadorismo” pelo risco de cair na versão burkeana do “deturparam Marx”, a eterna desculpa da esquerda para os fracassos do socialismo real, mas vamos a ela.

O conservadorismo é uma anti-ideologia. Uma predisposição contra sistemas abstratos que tentam impor à força ou ao arrepio da lei e da ordem um novo regime a partir de projetos ideológicos abstratos que prometem um futuro redentor e perfeito (progressistas) ou o retorno a um passado idílico (tradicionalistas), ambos lutando contra a realidade imperfeita. Nas palavras de David Bromwich, “a revolução é a suprema inimiga da reforma”.

Edmund Burke, o pai do conservadorismo moderno, nasceu na Irlanda em 1729, filho de pai protestante e mãe católica, num tempo em que esses casamentos inter-religiosos não eram comuns. Casar com uma católica era para Richard Burke, um conhecido e respeitado advogado, uma barreira intransponível para sua aceitação na elite irlandesa da época. Os desafios de seus pais marcaram Edmund por toda vida. A pobreza dos parentes de sua mãe, moradores das zonas rurais irlandesas, foram particularmente chocantes para ele.

Tendo sido um proeminente e bem-sucedido intelectual e tribuno na Inglaterra do séc. XVIII, o sotaque irlandês de Burke era também uma lembrança constante de que uma sociedade tolerante pode e deve receber novos cidadãos que optem livremente por absorver e se integrar harmoniosamente numa nova cultura. Sua célebre crítica à Revolução Francesa não era uma postura dogmática contra qualquer ação republicana e anti-monarquista, já que Burke foi abertamente simpático ao processo de independência americano.

Por mais impopular que fosse entre seus pares, Burke se opôs abertamente à maneira como o primeiro-ministro britânico Lorde North, assim como seu monarca George III, lidavam com a insurgência das treze colônias americanas, buscando resolver à força um conflito que poderia, na sua avaliação, ter sido contornada com negociações e diplomacia. Burke reconhecia que os colonos americanos haviam desenvolvido com o tempo um espírito de liberdade e independência em relação à metrópole e tentar resolver suas divergências na base do mosquete não terminaria bem. Como sempre, estava certo.

“A política deve se ajustar não ao pensamento humano, mas à natureza humana, da qual a razão é apenas uma parte e, de modo algum, a maior”, escreveu Burke numa frase que serve de síntese de seu pensamento político conservador, cético, anti-revolucionário e eternamente preocupado com os “humores do povo”. Burke dizia que não se deve confundir estabilidade com estagnação e que é possível mudar e evoluir sem rupturas.

O amor de Edmund Burke por seus parentes protestantes do lado paterno e católicos do lado materno criaram nele uma sensação duradoura de que os laços afetivos e a compreensão da índole e valores individuais deveriam preceder as ideologias e afiliações no julgamento interpessoal, além da certeza de que a rotulação apressada é inimiga do entendimento sereno e duradouro sobre o outro.

Com estes conceitos em mente, tente avaliar os políticos em evidência hoje pela régua do “verdadeiro” conservadorismo, não aquele do bordão vazio ou do xingamento rasteiro, mas como herdeiros de uma longa, sólida e complexa tradição política e intelectual. Só depois venha me xingar no zapzap.

>> Confira a análise do resultado da última enquete de Alexandre Borges

Conteúdo editado por:Rodrigo Fernandes
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