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Vincent Mancini, filho ilegítimo do esquentado Sonny, insistia com o tio que seu desafeto Joey Zasa deveria ser morto. “Temperamental como o pai”, dizia Michael Corleone, que perde a paciência com o sobrinho num vôo de helicóptero e diz uma das frases icônicas da trilogia O Poderoso Chefão: “nunca odeie seus inimigos, isso atrapalha o julgamento”.
O conselho do chefe da família mafiosa mais célebre da história do cinema ao sobrinho temperamental deveria ser ouvido também pelos analistas que dão a reeleição de Donald Trump como improvável ou até impossível. O resultado das urnas em novembro ainda é incerto, como era a esta altura da disputa em 2016, mas a torcida muitas vezes fala mais alto, até porque os analistas não costumam pagar qualquer preço pelos erros, o que encoraja ainda mais este tipo de comportamento no mínimo irresponsável.
A última eleição presidencial americana deveria ter ensinado uma coisa ou outra aos gatomestres das previsões, especialmente depois de um resultado absolutamente imprevisível (que me perdoem os chutadores e pajés de ambos os lados). A América tem um sistema que traz desafios acima do normal para os analistas já que a eleição é indireta, com regras que mudam de estado para estado, e o voto não é obrigatório. Apesar de tudo, ainda há quem pense que basta sua bola de cristal.
No Michigan, por exemplo, um típico swing state que viu Obama dar uma goleada em Romney em 2012, a diferença de Trump sobre Hillary quatro anos depois foi de 0,23% dos votos, a menor da história do estado e impossível de ser cravada com um mínimo de certeza em qualquer modelo preditivo. Dez mil votos separaram o vencedor republicano (2.279.543 votos / 47,5%) da derrotada democrata (2.268.839 / 47,27%). Uma chuva numa pequena cidade poderia ter mudado o resultado do estado inteiro e seus 16 votos no colégio eleitoral.
O Michigan teve um governador democrata de 2003 a 2011, a canadense Jennifer Granholm, um republicano de 2011 a 2019, Rick Snyder, e há um ano é govenado pela democrata Gretchen Whitmer. Na média do Real Clear Politics de hoje, Joe Biden está com 50% das intenções de voto, sete a frente de Trump. Há quatro anos, exatamente neste ponto da disputa, o mesmo portal dava uma liderança de Hillary Clinton ainda maior sobre Donald Trump (46% x 38%). Um mês antes da eleição de 2016, a diferença na média das pesquisas havia crescido (46% a 35%) no Michigan, uma vantagem de nada menos que onze pontos. Na boca de urna, o RCP dava vitória de Hillary (47% x 43%). Quem ganhou no mundo real? Trump.
Pense o que quiser de Trump, mas a derrota de um presidente que tenta a reeleição não é algo exatamente comum na América, especialmente em tempos recentes. E cada derrota pode ser explicada por motivos que vão muito além da mera disputa de propostas. Meu pai fundador preferido, John Adams, e seu filho John Quincy Adams, têm em comum o fato de terem sido presidentes por apenas quatro anos, o que mostra que desde a origem do país a reeleição não é garantida, mas o ocupante do Salão Oval da Casa Branca tradicionalmente sai em vantagem contra o opositor.
Alguns fatores costumam pesar na vantagem do candidato à reeleição, especialmente se tiver sido poupado de um desgastante processo de escolha nas primárias do próprio partido, o que não acontece com seu adversário. Na história americana, poucos presidentes perderam a chance de um segundo mandato quando tentaram e cada caso pode ser entendido a partir de externalidades ou tsunamis políticos.
Em 1912, William Howard Taft perdeu a eleição para Woodrow Wilson por conta do racha do partido. Seu predecessor, Teddy Roosevelt, inconformado por não ter sido escolhido candidato, fundou um novo partido e dividiu o voto republicano. Herbert Hoover perdeu a eleição de 1932 por conta do início da Grande Depressão. Gerald Ford, que completou o mandato de Richard Nixon, perdeu a eleição de 1976 para Jimmy Carter e perderia até para um poste.
O próprio Carter foi também um presidente de apenas quatro anos, sendo derrotado por Ronald Reagan em 1980. Seu vice, George H. Bush, perdeu a reeleição em 1992 para o desconhecido Bill Clinton também por um racha da base republicana causada pelo candidato independente Ross Perot.
Qual será a influência da pandemia e da crise econômica na eleição de novembro? A agenda radical dos democratas, que estão falando em cortar o orçamento das polícias e até acabar com ela em algumas localidades, vai ser considerada uma boa resposta aos protestos que seguiram ao assassinato de George Floyd? É óbvio que é cedo para saber, mas nada impede que o pavio curto de Vincent continue influenciando corações e mentes, que seguiu o conselho do tio e acabou sucedendo o Don como líder dos Corleone. Sábia decisão.
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Conteúdo editado por: Rodrigo Fernandes