Em menos de uma semana, nada menos que cinco institutos de pesquisa (Datafolha, PoderData 360, Atlas, Paraná e XP/Ipespe) divulgaram resultados de seus levantamentos mais recentes sobre a eleição de 2022, rejeição, popularidade do governo e muito mais. Os números são tão discrepantes que é natural que você se sinta confuso. Ou cheio de certezas, o que pode ser ainda mais complicado.
Para entender o que há de relevante no que foi noticiado, é preciso olhar com atenção o que há de comum, o que está nas entrelinhas e o que está apenas sugerido nos dados. Dá trabalho, mas vale a pena como balizador do "humor do povo", como diria Edmund Burke, e como farol para o que pode estar por vir.
O mais importante (e menos surpreendente) do que vimos nas pesquisas é que os dois políticos que mais fazem campanha no país são, vejam vocês, os que lideram as pesquisas: Lula e Bolsonaro. Juntos, representam praticamente dois terços das preferências do eleitorado brasileiro, deixando a chamada terceira via lutando pelas sobras. É um país dividido e não há sinais de que vai mudar num futuro próximo.
Lula e Bolsonaro apelam para brasis totalmente diferentes. O ex-presidiário é popular entre mulheres nordestinas de baixa escolaridade e renda. O atual presidente vence entre homens do sul e sudeste com alta escolaridade e renda. Lula é o presidente preferido do Brasil que luta por comida, água, saúde, educação, transporte, auxílios emergenciais e programas assistencialistas. Bolsonaro lidera entre tios do zap, empresários, profissionais liberais e lavajatistas que não dependem do estado e se sentem roubados por ele, não possuem lá muita empatia pelo próximo, se pautam politicamente por questões morais e de costumes, acham que bandido bom é bandido morto e associam o petismo à corrupção, bandalheira, identitarismo e falta de patriotismo. Até aqui, novamente, nada de novo.
A coisa esquenta quando vamos aos números. Para o Datafolha, Lula é o preferido de 41% dos brasileiros contra 23% de Bolsonaro, uma diferença de 18 pontos. Para o Atlas, Lula teria 33,2% das preferências e estaria atrás de Bolsonaro, com 37%. Lula tem entre 29% e 32% nos institutos restantes, enquanto Bolsonaro vai de 29% a 32,7%, ou seja, um empate técnico. São pesquisas feitas na mesma época e, em tese, com os mesmos eleitores.
Em relação ao primeiro turno, os institutos concordam em discordar, mesmo que haja uma certa convergência para Lula e Bolsonaro na faixa dos 30% para cada um e apenas o Datafolha é, literalmente, um ponto fora da curva. O resultado do instituto ligado ao Grupo Folha é o primeiro divulgado após as decisões favoráveis do STF que recolocam o petista no jogo. As redes sociais bolsonaristas já estão tratando o Datafolha como Judas em sábado de aleluia.
Já no segundo turno, a maioria dá, com maior ou menor margem, vantagem para Lula, que só perde no Paraná Pesquisas (JB 42,5% x 39,8% Lula) e tem um empate técnico no XP/Ipespe (Lula 42% x 40% JB). O que explica esse padrão é a dificuldade de Bolsonaro de atrair eleitores fora da sua bolha de adoradores.
O presidente é um político que apela fortemente para um segmento específico de público e entrega a ele um pacote ideológico de porteira fechada, o que é ferozmente defendido por seu exército virtual que espalha narrativas próprias ou copiadas de veículos alugados ou comentaristas e blogueiros cooptados. É possível, para esse eleitor, fechar-se um universo paralelo com "verdades" cuidadosamente fabricadas para ele pela poderosa máquina de propaganda bolsonarista, radicalizando e isolando esse segmento cada vez mais.
Em ciência política, a estratégia bolsonarista é conhecida como bonding, ou a construção vertical de um conjunto fanático de apoiadores que têm como missão constranger o resto da população a aceitar sua agenda política. A alternativa é o bridging, ou a política dos acordos em busca do mínimo denominador comum entre a maioria da população, o que pressupõe a negociação e abrir mão de pautas impopulares em nome da união nacional, o que está longe de animar o bolsonarismo.
O resultado é um candidato com sólida votação no primeiro turno mas com sérias dificuldades em ampliar seu eleitorado entre eleitores de adversários derrotados, como se viu nas eleições presidenciais francesas de 2017 em que Macron, que ficou praticamente empatado com Marine Le Pen na primeira rodada e disparou na disputa final, conquistando eleitores que iam da centro-direita à extrema-esquerda.
O bonding é uma estratégia arriscada porque conta com a fragilidade dos adversários para que seus eleitores consigam fazer com que, mesmo alvos de perseguições, difamações e todo tipo de ataque, os outros respirem fundo e aceitem votar no antigo inimigo por considerar um "mal menor".
Em resumo, o que dizem as últimas pesquisas: Lula e Bolsonaro continuam, desde o final de 2016, dividindo o Brasil. Para crescer, Lula precisa convencer as classes médias e altas urbanas que não ressuscitará, no terceiro mandato, as práticas que o levaram a ser preso. Bolsonaro tem que convencer os pobres brasileiros que não é um monstro genocida, desprovido de empatia ou preocupação real com seus problemas. Ele conta com a caneta presidencial, o Centrão e seus franco-atiradores na imprensa amestrada.
Já os candidatos da terceira via precisam reinventar suas táticas, buscar a união de candidaturas em nome de um nome de consenso e, para ontem, quebrar a prisão mental que faz com que as únicas opções de voto estejam entre dois candidatos tão divisivos e responsáveis por um sentimento legítimo de repulsa de quem não vota naturalmente neles. Os "centristas" começam em franca desvantagem e precisam suar muito para compensar o tempo perdido até agora.
Em tempos de pandemia, toda previsão é arriscada. Num país que registra, até o momento, a incrível marca de 428 mil cadáveres por covid-19, o eleitor está fragilizado, assustado, e mais aberto do que o normal para alternativas. Faltando mais de 500 dias para as eleições, o que se sabe é que Lula e Bolsonaro não estavam errados ao elegerem um ao outro como adversários preferenciais e mirar no centro até a sua aniquilação, criando um Fla x Flu político no país em que ambos são os principais beneficiários.
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