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Conheço João Dionisio Filgueira Barreto Amoêdo há dez anos, desde quando o Partido Novo era apenas uma ideia utópica de um grupo de amigos da Zona Sul do Rio de Janeiro. Todo liberal do país acompanhou a trajetória do Novo com bastante interesse e muitos se mostram preocupados com o atual momento da agremiação.
No início deste ano, entrevistei Eduardo Ribeiro, presidente atual do Novo. Mantendo nossa tradição de pluralidade, ouvi agora o engenheiro, financista e católico carioca João Amoêdo, que recentemente completou 60 anos, sobre o partido que criou e o futuro do movimento liberal do país.
Você recebeu críticas e elogios pelo apoio a Lula na eleição. Como você concilia liberalismo e o voto num candidato de esquerda?
Na minha avaliação, o quadro que se apresentou nas eleições deste ano levou a essa combinação, que em teoria seria impensável. Esse fato, no meu entender, ilustra bem como regredimos como nação. As discussões sobre como resolver os problemas do país, se com menos ou mais intervenção estatal, quais as nossas prioridades, que modelo de país queremos, ficaram em segundo plano. A prioridade, para muitos brasileiros, era garantir o Estado Democrático de Direito. Nesse contexto, a vitória de Lula era uma garantia maior do que a de Bolsonaro. E por isso o voto no PT, mesmo com grande discordância em relação a suas ideias e práticas.
O Partido Novo tem sido identificado nos últimos tempos como uma "linha auxiliar" do bolsonarismo. A crítica é justa? A adesão ao bolsonarismo perverte os ideais fundadores do partido?
Infelizmente é justa. O bolsonarismo é totalmente contrário a tudo que defendemos na fundação do Novo. A crença em um salvador de pátria, o ataque às instituições, a adesão ao fisiologismo político, o populismo, a intolerância com quem pensa diferente, o discurso de ódio e o desprezo pela vida humana, de forma alguma representam os ideias de concepção do Novo. Nossa base era a defesa das instituições, da transparência, da coerência, do diálogo e de uma visão de longo prazo com vistas à melhoria da qualidade de vida do cidadão.
A candidatura presidencial do Novo este ano teve uma fração dos votos que você conquistou em 2018. O partido sequer atingiu a cláusula de barreira. Como você avalia as perspectivas do Novo para os próximos quatro anos?
Para prevermos as perspectivas do partido é fundamental entender o que aconteceu nos últimos 30 meses, sob a gestão atual. Dois grandes erros foram cometidos: a) a construção de uma marca, que representava a inovação na política, foi substituída pelo culto a mandatários; b) os mandatários mais conhecidos do partido se alinharam ao bolsonarismo ou ao presidente Bolsonaro, sem qualquer preocupação institucional.
Um exemplo disso é o fato de o partido possuir uma diretriz partidária que determina que a instituição é oposição ao governo Bolsonaro e ao mesmo tempo temos os principais eleitos do Novo fazendo campanha para Bolsonaro.
O resultado é que, com isso, para a maior parte da população, a imagem do partido perdeu identidade, coerência e se alinhou a um projeto personalista.
Todos os indicadores do partido, relevância, engajamento nas redes sociais, filiados e eleitores, regrediram. Os resultados das eleições de 2022 são a principal amostra disso.
Portanto, o futuro do partido agora será definido pelo diagnóstico e ações dos administradores atuais. A primeira opção seria reconhecer os erros cometidos e retornar o partido para a proposta original de construção de um instituição inovadora, de forma a colocar o Novo nos trilhos novamente para voltar a crescer de forma sustentável. A outra alternativa é não assumir a responsabilidade pelo fracasso de 2022, culpar o cenário e terceiros e continuar a implementar práticas dos partidos tradicionais. Nesta última hipótese, que infelizmente hoje parece ser a mais provável, o Novo ficará inviável, sem qualquer diferencial, se tornando apenas mais uma legenda ou deixando de existir.
A maneira como o partido que você fundou tem tratado suas posições diminuiu sua vontade de continuar participando da política? Ainda pensa em se candidatar?
Não diminuiu, mas demonstra como é difícil na política construir algo que tenha o cidadão como prioridade e não projetos pessoais. Não é um objetivo, mas não descarto.
Numa entrevista sua de 2018, que voltou a circular recentemente, muitos aspectos do bolsonarismo foram previstos por você com muita precisão. Como você avalia o governo Bolsonaro e seu legado?
A volta de Lula e do PT ao poder, sem que tenham se desculpado dos erros cometidos no passado e sem a apresentação de um projeto para o país, é o principal indicador do fracasso que foi o governo Bolsonaro. Alguns pequenos avanços em pautas econômicas são totalmente ofuscados pelo fiasco que foi o governo na gestão da educação, do meio ambiente, das relações internacionais, das reformas estruturantes, no respeito às instituições e no trato da pandemia. Bolsonaro deixa um péssimo legado em todas essas frentes e uma sociedade dividida e intolerante.
Na sua visão, qual o futuro do movimento liberal no Brasil? Há espaço para uma candidatura liberal para presidente em 2026?
Acredito que o futuro do Brasil como uma nação próspera passa necessariamente pela implementação de um governo liberal. Esse é o modelo adotada nas nações com melhor qualidade de vida.
Infelizmente, durante o governo Bolsonaro, o liberalismo, distorcido e infantilizado, foi utilizado como justificativa para o ataque às instituições e desrespeito à lei. Em 2018, tivemos o liberalismo em alta graças ao fracasso do governo Dilma Rousseff; agora, em 2022, a situação se inverteu por conta de Bolsonaro.
Acredito, sim, que há espaço e necessidade de uma candidatura liberal em 2026, que deve ter como objetivo mostrar que o liberalismo que queremos não é esse defendido por Bolsonaro e seus apoiadores, mas sim aquele que acredita no respeito ao cidadão, nas instituições, nos poderes constituídos, com ações baseadas em evidências, na racionalidade e que resulte em um ambiente de oportunidades para todos.