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Alexandre Borges

Alexandre Borges

Estive no TSE e comprovei: a situação está ruça

Urnas eletrônicas (Foto: TRE-PR)

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No panteão de mitos nacionais com membros ilustres como o saci-pererê, o curupira, a mula sem cabeça e o boitatá, uma nova integrantes chega com pompa e circunstância: a "urna eletrônica não auditável, fraudável e com resultado pré-programado pelo STF". Ela não existe, mas quem se importa? Quem perde eleição, claro, mas não sejamos indelicados com maus perdedores.

Era quase meio-dia ontem (4), quando o auditório do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), principal instituição brasileira para organização e gestão das eleições, recebeu um grupo heterogêneo de pouco mais de vinte pessoas, na maioria jovens engajados e hypados, produtores de conteúdo digital escolhidos pelo movimento Redes Cordiais, que fez a gentileza de também me convidar para o evento.

Antes do início da programação do dia, que incluía palestras, um tour pelas dependências do TSE e uma aula técnica sobre o funcionamento das urnas eletrônicas, todos foram convidados a se apresentar. A cada um que resumia sua história, um TED Talk de fazer Malala Yousafzai parecer uma patricinha de shopping. Na minha vez, tive que confessar ser apenas um representante da odiada "grande mídia", aquela chamada de esquerda pela direita e vice-versa. Agradeço os breves e gentis aplausos naquele momento de anticlímax. Sigamos.

Como resistir ao charme de uma mentira que inclui urnas hackeadas, invasores anônimos financiados por elites malignas e pervertidas, salas secretas de apuração de votos e resultados manipulados?

Por volta das duas da tarde, a umidade relativa do ar em Brasília estava em 35%, abaixo do mínimo recomendável pela OMS e pelo bom senso para um organismo humano normal sobreviver. Quanto mais seco o ar, mais chances de dor de cabeça, problemas alérgicos, olhos irritados, asma, infecções e, claro, desidratação. Alguém vai dizer que foi um plano arquitetado para alterar nosso juízo.

Neste clima ameno, fomos convidados para um agradável almoço no terraço do edifício, onde serviram um honesto strogonoff de carne, aquele prato de aceitação universal que acaba com a margem de erro dos anfitriões. Neste momento, reconheço que perdi uma grande oportunidade. Voltarei ao assunto.

As palestras, apresentações e visitações apenas confirmaram o que qualquer bípede já sabe: as urnas eletrônicas brasileiras são tão seguras quanto possível, mais do que o sistema informatizado do banco que você deposita seu dinheiro, uma informação real, verdadeira, mas enfadonha. Quem se emociona com algo que funciona?

Como resistir ao charme de uma mentira que inclui urnas hackeadas, invasores anônimos financiados por elites malignas e pervertidas, salas secretas de apuração de votos e resultados manipulados para subtrair o direito do povo escolher seu representante legítimo? Se non è vero, è ben trovato!

O espírito do tempo no Brasil está propício a teorias que incluem até cidades perdidas na Amazônia, terra plana e vermífugos que curam Covid-19. Por que não urnas que fazem parte de uma trama digna de um filme B de espionagem internacional? É neste momento que entra o strogonoff.

A iguaria é identificada com a Rússia, mas provavelmente foi inventada pelo chef francês Charles Briere no início do séc. XIX. Ele estaria a serviço da tradicional família Stroganov em São Petersburgo e o prato seria um amálgama de elementos clássicos das culinárias francesa e russa. Nunca saberemos se a história é verdadeira mas, de novo, quem se importa? O strogonoff é russo e não se discute. Já o estado da nossa democracia, ruça com cê cedilha, como diria o "ativista" Ivan Papo Reto.

Seria o prato principal servido ontem, na sede do TSE, uma prova de influência russa nas eleições brasileiras? O cozinheiro estaria lá para servir agentes infiltrados da antiga KGB, o temido serviço secreto já chefiado por ninguém menos que Vladmir Putin? Quantos likes e compartilhamentos um vídeo contando esta cascata não ganharia nas redes sociais? Seria o autor do vídeo convidado para um cargo de comentarista numa mídia governista, com um gordo salário vindo sabe-se lá de onde?

Seria o prato principal servido ontem, na sede do TSE, uma prova de influência russa nas eleições brasileiras? O cozinheiro estaria lá para servir agentes infiltrados da antiga KGB?

A teoria conspiratória, por mais ridícula que seja, sequer precisa ser afirmada pelo autor. Basta que ele se mostre cético, desconfiado da realidade aparente, que coce a cabeça, olhe sério para o expectador e pergunte: "você não acha tudo isso muito estranho?". Se ele for mais ousado, pode se autoproclamar "pesquisador", uma palavra esvaziada de significado atualmente, e lançar cursos e livros sobre os russos infiltrados na nossa eleição a partir do strogonoff.

Não tenho nada contra o prato, que minha saudosa avó, mineira e cozinheira talentosíssima, fazia como ninguém, Muito menos o strogonoff servido ontem, do qual me refastelei sem cerimônia. Os influenciadores que me acompanharam na refeição optaram por falar a verdade sobre as urnas em seus perfis, o que é a opção moral a se tomar, mas às custas de algum faturamento extra.

Como dizia Viktor Frankl, só há dois tipos de pessoas: as decentes e as indecentes. E é em momentos como esse que as diferenças ficam mais evidentes. O Brasil nunca precisou tanto de gente decente produzindo conteúdo, falta achar o modelo de negócios. Ou reencontrar a alma nacional.

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