A ideia fazia todo sentido. Em meio à pandemia que causou a morte de mais de 13 mil brasileiros, com depressão econômica e quarentena forçada, o programa Pânico da rádio Jovem Pan desta quinta (14/03) convidou o comediante Fábio Rabin para participar ao vivo. O que aconteceu naqueles vinte minutos ninguém poderia prever.
Rabin se explicou logo após o fim do programa: “sou treinado pra fazer piadas, não pra bater boca. Mas não pude deixar de me posicionar (...). O momento e a conversa não me permitiram ter a leveza das entrevistas de sempre.” Um dos mais populares e talentosos humoristas do Brasil era, talvez pela primeira vez na vida, o mais sério da sala.
O palhaço triste é arquetípico e tema central de obras clássicas como “Pagliacci”, a ópera mais conhecida de Leoncavallo que conta a história trágica de um trio amoroso entre atores, repleta de infidelidade, drama e traição, que termina em morte. “Vesti la giubba” é uma das árias das conhecidas e populares de todos os tempos, um grande desafio aos tenores e uma das marcas registradas do saudoso Luciano Pavarotti. O tema central de “Pagliacci” desafia a fronteira entre realidade e arte durante a exibição e, não por acaso, é baseada num homicídio real, contado ao autor da ópera por seu pai que era delegado em Nápoles.
Para entreter, satirizar e falar “a verdade ao poder”, poucos foram tão importantes na história como os bobos da corte. Ele não era, como diria Eric Voegelin, o “nabal” da tradição hebraica ou o “stultus” de São Tomás de Aquino, muito menos o “amathes” da segunda epístola de São Pedro, o “ignorante e instável”. Em Rei Lear, o bobo da corte foi o mais sábio e bem sucedido na comunicação com o irascível, vaidoso e intratável pai das dissimuladas Goneril e Regan e da brutalmente sincera Cordélia.
Quem ousou misturar o humor mais pueril, a comédia pastelão e a mímica despretensiosa com o drama humano mais intenso foi Charlie Chaplin, um dos poucos gênios do cinema mudo que soube se reinventar e transcender a pantomima dos artistas de rua para abraçar as infinitas possibilidades do cinema moderno. Carlitos, o vagabundo, foi aos poucos dando espaço a um novo Chaplin assim como, anos depois, Dirty Harry abriu caminho para um Clint Eastwood sábio, seguro e com pleno domínio da linguagem cinematográfica.
Chaplin nunca foi indiferente à política e ao espírito do tempo. Sua comédia pastelão era o bálsamo necessário nas décadas de 10 e 20 para um mundo traumatizado pela Primeira Guerra e depois para a América devastada pela Grande Depressão. Seu posicionamento político gera controvérsias até hoje, mas durante o macarthismo foi rotulado como comunista e numa viagem à Inglaterra em 1952 teve seu visto revogado e foi impedido de voltar aos EUA.
Seu filme mais político e o primeiro falado, um marco imortal do cinema, foi sem dúvida “O Grande Ditador” (1940). A Segunda Guerra mal começava na Europa e Chaplin já entendia plenamente o risco representado pelo nazismo, pelo fascismo, por Hitler e Mussolini, ironizados com rara coragem e sem dó no filme, que termina com um discurso em que Chaplin abandona o personagem e se dirige diretamente ao espectador de maneira séria, dando a mensagem sã num momento louco. É o sorriso do gato de Alice.
Chaplin se definia um “liberal” e dizia que a acusação de ser comunista era uma mentira criada num ambiente doentio. Quando o mundo se torna um “ambiente doentio”, nada como o sábio palhaço que fala o que tem que ser dito. Hitler e Mussolini morreram menos de cinco anos depois da estreia de “O Grande Ditador”, mas a mensagem de Charlie Chaplin, que viveu até os 88 anos de idade, é eterna.
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