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Parece que foi ontem. Bastava colocar “major” ou “pastor” antes do nome, fazer arminha com as mãos ou dizer o slogan integralista “Deus, Pátria e Família” para receber uma torrente de votos. Menos de dois anos depois, o brasileiro dá sinais que pode ter mudado de ideia sobre a política e, se for o caso, será o fato mais notável da eleição municipal de 2020.
No Rio de Janeiro, o deputado federal mais votado, Hélio Lopes (PSL), companheiro de todas as horas do “mito”, obteve inacreditáveis 345.234 votos. Apenas dois anos antes, “Hélio Negão” ou “Hélio Bolsonaro”, como ficou conhecido, havia tentado uma vaga de vereador em Nova Iguaçu, cidade da região metropolitana do Rio, conquistando 480 votos. O amigo inseparável de Bolsonaro simboliza com perfeição a “onda” eleitoral de 2018, quando nomes totalmente desconhecidos, alguns já recusados pelo eleitor como Hélio Lopes em Nova Iguaçu, quebraram recordes e mexeram profundamente com o tabuleiro político do país. E agora?
Ao analisar o desempenho dos candidatos “arminha” ou governistas deste ano, a duas semanas do primeiro turno, a onda parece ter passado, mesmo com o presidente registrando seus mais altos índices de popularidade desde o início do mandato.
O candidato que canta hino nacional com uma bandeira do Brasil ou foto de Bolsonaro ao fundo, o que se coloca radicalmente contra “vacina chinesa”, que trata qualquer crítica ao governo como crime de lesa-pátria ou que diz que, se não for eleito, o país será dominado para sempre pelo comunismo internacional, não tem despontado nas pesquisas como líder nas principais cidades do país.
Em São Paulo, o neobolsonarista Celso Russomanno largou na frente, como fez em 2012 e 2016, mas dá indicativos do mesmo tipo de queda ocorrida nas eleições passadas e, segundo noticiado, já se posicionou a favor da vacina que arrepia os pelos mais recônditos do eleitor bolsonarista e tirou o presidente do seu jingle de campanha. O atual prefeito Bruno Covas, afilhado político do arqui-inimigo João Doria, segue caminhando com chances reais de reeleição. Russomanno tem eleitorado próprio, nunca fez arminha com a mão, conta com a estrutura do partido ligado à Igreja Universal e, mesmo com todo este aparato, não é aposta segura de vitória para nenhum analista.
No Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM) segue para o terceiro mandato, ameaçado de longe pela ex-delegada pedetista Martha Rocha. O atual prefeito, Marcelo Crivella, candidato de Bolsonaro na cidade que é o berço do bolsonarismo, que conta com a mesma máquina evangélica do Republicanos, partido de dois dos filhos do presidente (Flávio e Carlos), patina nas pesquisas e até sua presença no segundo turno é incerta. Suas chances são ainda menores que as de Russomanno.
Em Porto Alegre, centro e esquerda dominam com folga as primeiras posições e não há qualquer indício de vitória de um candidato remotamente ligado ao presidente. Em Curitiba, Rafael Greca (DEM) segue com tranquilidade para a reeleição, assim como Alexandre Kalil (PSD) em Belo Horizonte. Nenhum dos dois, mesmo em partidos da base do governo, não devem em nada suas prováveis vitórias ao governo federal. Em Salvador, Bruno Reis (DEM), também virtualmente eleito, deve o resultado inteiramente ao padrinho ACM Neto.
No Recife, João Campos (PSB) lidera com tranquilidade, com Marília Arraes (PT), Delegada Patrícia (Podemos) e Mendonça Filho (DEM) lutando por vaga no segundo turno. Mendonça, ex-ministro de Temer, recebeu a maior doação eleitoral do país até o momento, do empresário e ex-czar das privatizações do governo Salim Mattar, mas sua tentativa de colar a imagem com a do presidente não deu resultado até agora e seu desempenho não é animador. Em Fortaleza, o líder Coronel Wagner (PROS) é, de todos os citados, o mais próximo do presidente, mas sua eleição é fruto da lógica da política cearense e o aporte de votos de Bolsonaro é ínfimo.
Quando o Datafolha perguntou aos eleitores de quatro capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife) se votariam no candidato indicado por Bolsonaro, apenas 16% deles disseram seguir as ordens do capitão. Antigos aliados que romperam com o presidente, como Joice Hasselmann (PSL-SP), recordista de votos em 2018, parecem completamente desidratados eleitoralmente até agora.
Se a eleição presidencial fosse hoje, Bolsonaro estaria no segundo turno e só teria como adversário com chances reais de vitória seu ex-ministro e desafeto Sérgio Moro. É um político inegavelmente popular, mesmo trocando aos poucos parte do eleitorado mais escolarizado e ideológico por eleitores de baixa renda beneficiados por programas assistencialistas, seguindo os passos e alguns métodos de Lula em 2006.
A despeito da força política do presidente, sua popularidade não tem se mostrado proporcional à capacidade de eleger aliados ou candidatos identificados, queira ele ou não, com a sua imagem. Se a tendência se confirmar, a “onda” de candidatos que “pegam carona” em Bolsonaro pode ser o primeiro mito a cair em 2020.