No evento que marcou os 45 anos de fundação do Ipea, em 2009, Lula festejou a impossibilidade do eleitor brasileiro ter alternativas de projeto de poder fora da esquerda. Nada surpreendente para quem conhece seu entendimento bastante particular da política.
Quatro anos antes, Lula já havia dito que a Venezuela de Hugo Chávez tinha "excesso de democracia". Em 2009, debochou dos protestos contra a eleição fraudulenta de Mahmoud Ahmadinejad no Irã que levou à morte dezenas de inocentes como reação de maus perdedores e “uma coisa entre flamenguistas e vascaínos”. Em 2010, compararia presos políticos cubanos em greve de fome a presos comuns. Em 2016, chamou Fidel Castro de “o maior de todos os latino-americanos”.
No discurso dado para a platéia do Ipea, o então presidente Lula disse: “pela primeira vez não vamos ter um candidato de direita na campanha. Não é fantástico isso? Vocês querem conquista melhor do que numa campanha neste país a gente não ter nenhum candidato de direita?” O Brasil ainda viveria mais sete intermináveis anos até apear o lulismo do poder.
Depois de décadas de aparelhamento e ocupação de espaços na cultura, na academia e na imprensa, Lula confirmava publicamente, num arroubo de sinceridade, que o resultado da eleição presidencial de 2010 era, na prática, irrelevante. A troca do morador do Palácio do Planalto pouco importava, o Brasil continuaria sendo conduzido por seguidores da mesma visão de mundo, com diferenças cosméticas entre si. É o que Lula chama de “democracia”.
Os três candidatos mais votados do primeiro turno da eleição de 2010 foram: Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), que receberam juntos 98,85% dos votos válidos. Lula tinha motivos de sobra para comemorar.
Não havia na urna em 2010 um único candidato competitivo a presidente que defendesse menos intervencionismo estatal, redução dos gastos públicos e mais liberdade, responsabilidade individual e autonomia para o cidadão. Não havia quem defendesse idéias que elevariam o Brasil nos rankings mundiais de liberdade econômica, retorno de impostos e competitividade. Ou que salvassem o país da crise que arrasaria o país a partir de 2014.
O resultado da hegemonia dos diversos tons de vermelho na política brasileira por décadas era mais que previsível: caos político e econômico em meio a um mar de corrupção nunca visto, que culminou com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. O país do pensamento único é também o país do resultado óbvio.
O lulismo, mesmo com uma insuperável coleção de escândalos e condenações judiciais, com ex-tesoureiros e ex-presidentes na cadeia na época, só seria tirado do poder por um processo constitucional de impeachment em 2016, após as maiores manifestações de rua que se tem notícia no Brasil. A demora custou ao país um preço incalculável que terá que ser pago por várias gerações.
Após a reeleição de Dilma Rousseff , a deterioração do quadro econômico do país foi vertiginosa, uma situação que não pode ser inteiramente atribuída à corrupção desenfreada. Havia na crise a semente plantada por várias lições econômicas da história não assimiladas, pelo atraso ideológico das universidades, pela obtusidade do debate público que contribuíram para o desempenho desastroso da nação.
Para sair do trauma, um país pode passar pelos mesmos estágios descritos para indivíduos no conhecido modelo Kübler-Ross (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação). O Brasil passou anos negando ou fazendo vista grossa para os escândalos petistas, depois explodiu em raiva nas urnas em 2018. As eleições de 2020 mostraram que a fase da raiva está, na prática, superada.
No terceiro ano do governo Bolsonaro, podemos estar entrando no estágio de negociação. Há uma evidente perda de apoio em segmentos mais escolarizados das grandes cidades, sentimento que recentemente foi acompanhado pelos beneficiários dos programas assistenciais do ano passado.
O brasileiro dá sinais de que não espera mais um governo “mitológico” de um “messias" e já se dá por satisfeito se conseguir ser vacinado e não perder seu sustento, ou o que sobrou dele, em 2021. Nesta fase, as abstrações e utopias vão dando lugar a expectativas mais modestas e pragmáticas, o que pode ser tanto uma boa notícia para o governo quanto uma sinalização para a oposição de que há espaço para alternativas em 2022.
Seja qual caminho o país tome a partir das próximas eleições, uma coisa é certa e deve ser comemorada: a pluralidade de ideias políticas e visões de mundo, mesmo as mais bizarras, saíram do armário e o brasileiro pode expor o que pensa e sente com menos medo de patrulhas unilaterais e rotulações fáceis.
O Brasil pode sair fortalecido deste processo se aprender que todos têm algo a contribuir e que os males da liberdade só podem ser combatidos com mais liberdade. Que assim seja.
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