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As declarações intempestivas de Paulo Guedes desde a última sexta (22), com ataques chulos, ad hominem, aos críticos, tentando justificar a injustificável cloroquina fiscal que, na prática, acaba com o teto de gastos do governo federal, lembra os piores expedientes da esgotosfera alugada. A kenosis pagã do ministro, sua conversão pública ao bolsonarismo mais messiânico, está completa.
A escolha entre responsabilidade fiscal e assistência social é um falso dilema, ao menos numa mente liberal, tão em falta atualmente em Brasília. Uma economia funcional, livre, aberta, em crescimento, com as contas públicas em ordem é, em si, um programa social poderosíssimo, como o Plano Real mostrou nos anos 90. Quem paga a conta da inflação, dos juros altos, do real depreciado, da recessão, não é quem tem milhões de dólares em off-shores, é quem está disputando restos de comida em caminhões de lixo.
O mercado corre para precificar a turbulência da semana passada, mas não há qualquer indício, no momento, de que vai desembarcar. Num áudio vazado ontem do banqueiro André Esteves, dono do banco BTG-Pactual, mostra como os financistas brasileiros continuam acima das flutuações econômicas que sangram a classe média e os pobres do país. Como diz o velho ditado, rir com dente é fácil.
Com a cloroquina fiscal, a bilionária pedalada fura-teto, o liberal de palestra assume o posto de tesoureiro do Centrão. Sob o pretexto de viabilizar o Auxílio Brasil, ou Bolsa Reeleição, preserva-se as famigeradas emendas de relator, o fundão eleitoral, enquanto se corta verba de absorventes para mulheres pobres e se dá o maior calote em precatórios que se tem notícia. Enquanto isso, toca fake news diversionista na veia, como na falsa polêmica envolvendo vacinas e AIDS.
Guedes reservou parte da munição disparada pela metralhadora verbal nos últimos dias para a imprensa independente. Sobrou também para o Congresso e para o Judiciário. No discurso do ministro, não existe qualquer espaço para uma discordância democrática. Toda posição contrária é fruto de “militância”, “má vontade” ou de ataques políticos ao “presidente bem intencionado”. É a síntese do pensamento autoritário que alinha Guedes ainda mais ao extremo-bolsonarismo.
Como mostrou a coluna de hoje de Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli no Estadão, o fura-teto guedista cria uma “bomba fiscal” para o próximo governo. Romper o teto de gastos sempre foi uma bandeira da esquerda, defendida por Lula, Ciro, Haddad, Boulos, entre outros, e ver um liberal de palestras neste barco diz uma coisa ou outra sobre seus princípios e motivações.
O guedismo é a doença infantil do liberalismo. Enquanto o Centrão passa a boiada, seus arautos dão um duplo twist carpado para justificar, minimizar e relativizar. São pagos para isso e podem até ter majorado a tabela pelos novos serviços prestados. Afinal, alguém tem que faturar com tudo isso, mesmo que sobre seiscentos mil cadáveres.