Monumento em homenagem ao santista José Bonifácio, em Nova Iorque.| Foto:
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Acaba de chegar às livrarias uma obra obrigatória sobre a história do Brasil, às véspesas do bicentenário da pátria: "Os Fundadores", de Lucas Berlanza, um prodígio que ainda vai dar muito o que falar.

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Segue a entrevista exclusiva com o autor para a Gazeta do Povo.

"Não se trata de uma hagiografia, mas é preciso acabar com essa obsessão por amesquinhar tudo e todos e não enxergar a grandeza pessoal onde ela existe."

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1 – Qual é a proposta do livro e como surgiu a ideia?

“Os Fundadores” é uma tentativa de conectar as reflexões contemporâneas do Brasil, às vésperas do bicentenário da Independência, com as reflexões e gestos de algumas das mais importantes personalidades que idealizaram e realizaram a emancipação política do país no começo da década de 1820.

A partir de uma seleção de personagens – com seis capítulos, cada um protagonizado por uma figura histórica específica, mas o texto está repleto de menções de personagens laterais que também foram relevantes naquele contexto -, exponho brevemente suas biografias, seu significado para a Independência brasileira e seus pensamentos e concepções de país.

A proposta apareceu originalmente dentro de um projeto cultural mais amplo que homenagearia os pais fundadores, inclusive com um componente audiovisual, uma iniciativa concebida alguns anos atrás por alguns amigos e que infelizmente não foi possível realizar, por motivos de força maior. Graças à parceria que tenho construído com a editora Almedina, o trabalho editorial que produzi para esse projeto inacabado pôde vir à luz, estando disponível a todos os leitores de língua portuguesa.

2 – Qual o critério para selecionar os seis personagens centrais?

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O conceito de “pais fundadores” é originalmente norte-americano. Nos EUA, são considerados founding fathers os personagens que lutaram na chamada Revolução Americana, bem como os que assinaram a Declaração da Independência ou a Constituição do país, onze anos mais tarde. Mesmo assim, há discussões em aberto sobre a inclusão de certos nomes nessa lista.

No Brasil, embora tradicionalmente se reconheça a importância do imperador D. Pedro I e do Patriarca da Independência, José Bonifácio, o conceito não se firmou com a mesma repercussão no seio social e não é possível fundamentar uma lista de pais fundadores em um ou dois documentos que todos tivessem assinado. Entretanto, é perfeitamente possível relacionar personalidades de grande relevo nas raízes de nossa formação nacional, e foi o que fiz, sem nenhuma pretensão de estabelecer a abordagem definitiva a respeito; inclusive, dialoguei com outros trabalhos que tiveram propósitos similares, como a obra de Otávio Tarquínio de Sousa e a de Jorge Caldeira.

O critério neste livro foi encontrar protagonistas em três grandes estágios de assentamento de um Império independente: o processo de emancipação do Brasil à categoria de Reino Unido, simultaneamente à obra de desenvolvimento encabeçada por D. João VI; os episódios clássicos que levaram ao rompimento com as Cortes de Lisboa; e, finalmente, as guerras por independência, que se estenderam por 1823.

3 – Quais as principais lições que os personagens detalhados no livro podem oferecer aos brasileiros de hoje?

Destacaria o espírito de mediação, de negociação entre os ditames do real e os propósitos do ideal, importando eventualmente fazer as necessárias concessões; a necessidade de encarar com honradez e estima a nação que se representa e o exercício da função pública; a utilidade de consagrar poucas leis para que penetrem o espírito das instituições; a paciência e a resignação diante do que não pode ser mudado; a importância do conhecimento e da ciência; a coragem de dizer “não” quando necessário; o valor da liberdade; entre outras ideias e atitudes que, em maior ou menor grau, encontramos sendo ensinadas e exemplificadas por esses seis personagens, a despeito de seus naturais e evidentes defeitos.

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Não se trata de uma hagiografia, mas é preciso acabar com essa obsessão por amesquinhar tudo e todos e não enxergar a grandeza pessoal onde ela existe.

4 – O que significa falar em um “projeto”, conforme diz o título? Os pais fundadores compartilhavam todos um mesmo projeto para o Brasil?

Todos os personagens elencados, de uma maneira ou de outra, somaram esforços ao projeto de estabelecimento de um país independente capitaneado por uma monarquia constitucional. Existe, portanto, um desenho geral que, sob esse aspecto, permite unificá-los.

Assim como os founding fathers dos EUA eram bastante diferentes entre si, nossos fundadores também divergiam, às vezes de forma bastante violenta – como na rivalidade entre José Bonifácio e Gonçalves Ledo, dois protagonistas do livro. Uma preocupação que tive foi em não esconder isso, fazendo parecer que o Brasil nasceu de um plano perfeito de gabinete; as ideias e concepções dos personagens são centrais, mas também deve ser ressaltada a dinâmica da interação entre essas ideias, entre suas proximidades e incongruências, e a dos dramas e acontecimentos em que suas presenças históricas foram registradas.

Um país não se resume a um projeto teórico, mas a aceitação dos limites humanos na determinação dos rumos sociais é exatamente um dos valores que encontramos nos pensamentos de alguns de nossos pais fundadores.

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5 – Que objetivos o livro espera alcançar e o que pode oferecer aos leitores? 

Procuro atingir principalmente dois objetivos: primeiro, o cultivo do espírito de patriotismo e pertença, a fim de fortalecer o entusiasmo e o interesse nas questões pátrias – sem submergir no fetichismo nacionalista de índole autoritária; segundo, o aprendizado das lições que os projetos de país dessas personalidades, com seus defeitos e qualidades, podem fornecer aos brasileiros do século XXI.

Meus trabalhos em geral têm seguido a linha de procurar discutir o assentamento de correntes políticas como o liberalismo e o conservadorismo nas próprias bases fornecidas pelo Brasil, por nossa História e nossa cultura política, e ainda haverá novos livros e artigos de minha lavra concentrados nesse propósito.

A razão é que, como o professor Antonio Paim, grande teórico e historiador do liberalismo brasileiro, acredito que as ideias não vagam no ar, encarnando-se em tradições, e que não é eficiente construir postulados e agendas de forma inteiramente abstrata. Por isso mesmo, não me identifico com a luta por melhorar um país que não se ame e não se conheça.

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