Conversei com psicóloga Georgia Scher, profissional que trabalha no núcleo de psicologia das varas de família no Tribunal de Justiça do Rio há 17 anos. Ela não tem dúvida de que houve abuso no famigerado caso do MAM.
A discussão sobre a “exposição” tomou rumos surrealistas e os defensores do abuso cometido fingem que há uma tentativa de censurar expressões artísticas, mas não se deve esperar respeito aos fatos de quem sequer consegue respeitar a integridade física e emocional de crianças. Segue o resumo da minha conversa com a psicológica Geórgia Scher:
– Como você descreve o que aconteceu com aquela criança que aparece no vídeo do MAM interagindo com um homem adulto estranho nu?
Pedofilia é a doença psiquiátrica que designa um adulto que busca satisfação sexual com crianças. Tecnicamente, não foi pedofilia – o que não significa que não houve crime. O termo correto é abuso sexual e psicológico ao expôr uma criança, um ser em desenvolvimento e sem a maturidade para avaliar o toque num homem adulto nu, com a genitália à mostra.
– Como caracterizar o papel do “ator” neste caso?
Certamente quem estimulou a criança a tocar o homem não imaginava o que passava pela cabeça dele. O que interessa é o ato em si e não especulações sobre supostas intenções dos envolvidos. O ato foi induzido pela mãe, a pessoa em quem a criança mais confia. O comportamento da mãe foi igualmente inadequado.
Quando a família falha, cabe ao estado proteger a criança.
– Qual a responsabilidade da mãe?
Meu trabalho envolve justamente a avaliação de casos de crianças que sofrem abusos – muitas vezes, em casa. Quando a família falha, cabe ao estado proteger a criança. Não se pode partir do pressuposto de que, porque a mãe estava presente, não havia problema. A autoridade dos pais é importantíssima, mas não é absoluta. Quero deixar claro que o problema não é o conteúdo da exposição. O que interessa é que a mãe cometeu, ao meu ver, abuso sexual e psicológico. Uma criança tem direitos e seu direito foi claramente infringido, um crime previsto em lei.
– Muita gente parece não entender a gravidade do que aconteceu neste caso. Poderia explicar os riscos da criança neste caso?
A criança ainda está aprendendo a entender o que é certo e errado, bom e mau, saudável e nocivo. Ao passar por uma situação como esta, legitimada pela mãe, como ela conseguirá avaliar os riscos que corre quando outro adulto, conhecido ou desconhecido, tentar tocar seu corpo ou pedir para ser tocado? Se um homem tentar tocá-la na rua, por exemplo, haverá espaço para explicar porque a situação é diferente da do museu? Dependendo da faixa etária, para a criança será tudo igual.
– Os defensores do ato dizem que é uma maneira de educar as crianças sexualmente. Qual sua opinião sobre esse argumento?
Não, de forma alguma. Novamente, a intenção não importa. Ensinar sobre as partes do corpo e sobre sexo é importante, mas é algo a ser feito de acordo com a idade e com as necessidades da criança. Há uma idade certa para cada aprendizado. Adiantar o processo só gera confusão.
– Que tipo de medida legal preventiva deve ser tomada para que casos como esse não voltem a ocorrer?
Não é necessário proibir a “obra”. Quero deixar claro que não estou me colocando contra a arte e nem contra a nudez. O essencial é regulamentar a faixa etária do público neste tipo de exposição, e mobilizar toda a comunidade em prol desta resolução – desde os responsáveis pela obra aos seguranças do museu.
Na performance do MAM, a entrada de crianças deveria ser terminantemente proibida justamente para evitar a possibilidade de abuso. Não importa o pretexto de quem comete o abuso. Cabe à justiça é identificar e punir o abusador, protegendo a saúde física, emocional e mental da criança. Se é arte ou se não é arte, é problema dos adultos.
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