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Quando a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross popularizou seu modelo de estágios de luto não imaginava que seria aplicável à política, mas o eleitor é inseparável do indivíduo. E parte do eleitorado brasileiro está lidando com o pânico pela possível alternância de poder de uma maneira que a psiquiatria pode nos ajudar a compreender.
O tradicional modelo em cinco estágios de enfrentamento de traumas começa com a fase de negação. Muitos eleitores negam que as vacinas poderiam ter sido compradas mais cedo, salvando milhares de vidas, que houve corrupção no MEC, que a Terra seja redonda, que pesquisas eleitorais tenham validade ou que o bilionário orçamento secreto seja o que é.
Muitos eleitores estão empacados na fase da raiva, da qual são os mais prejudicados ao comprometerem suas relações pessoais em nome de políticos.
Os negacionistas simplesmente dão os ombros, olham para o outro lado e ignoram a realidade, vivendo confortavelmente em bolhas cognitivas e câmaras de eco formadas pela despudorada mídia governista e seus infames arrivistas. As redes sociais ajudaram a levantar muros de contenção para blindar mentes fanáticas e engajadas de qualquer contato com fatos. Romper esse dique do eleitor em negação é tarefa quase impossível, mesmo para amigos e parentes.
Quando a primeira fase consegue ser superada, entra a raiva. É aquele momento em que o eleitor militante compra briga com todo mundo que conhece, especialmente nos grupos do zap, mandando áudios inflamados, textos em caps lock ou compartilhando conteúdos produzidos pelos picaretas de sempre. Você com certeza conhece alguém que está, neste exato momento, mergulhado na ira a ponto de defender golpes de Estado e violência contra adversários. O próximo sete de setembro tem o potencial de reunir vários deles nas ruas, lamentavelmente. A repetição de episódios trágicos como o do terrorista de festa de aniversário em Foz do Iguaçu é um risco real.
Para superar a fase da raiva, a mais perigosa de todas, é preciso caminhar para algum tipo de negociação, o estágio em que o paciente tenta lidar com o trauma por conta de algum tipo de barganha, republicana ou não. Para os políticos que podem ser apeados do poder este ano, o preço para distensionar o ambiente é claro: algum tipo maroto de imunidade que impeça um juiz de primeira instância de colocar algemas neles. Os profissionais da política estão, neste exato momento, tentando articular algum tipo de saída negociada como esta.
Muitos eleitores estão empacados na fase da raiva, da qual são os mais prejudicados ao comprometerem suas relações pessoais em nome de políticos, por falta de algum tipo de oferta de negociação. O zelota raivoso não consegue enxergar qualquer tipo de barganha possível para aplacar sua aspiração totalitária, sua ânsia antidemocrática de impor seus candidatos goela abaixo do país, e por isso flertam com ideias abjetas e destrutivas, do tipo oposto aos princípios conservadores que muitos acreditam abraçar.
É preciso que se ofereça alguma saída honrosa (ou negociada) para ele ou teremos que conviver por muito tempo com uma espada de Dâmocles golpista sobre nossas cabeças. O Brasil precisa ser pacificado para ter uma mínima chance de lidar, a partir do ano que vem, com as bombas fiscais armadas pela base governista no Legislativo para anabolizar a tentativa de reeleição do presidente.
Qual negociação é essa? O que pode ser pendurado na frente dos zelotas para que parem de acalentar ideias antidemocráticas? É o que os adultos da sala precisam urgentemente elaborar. A terceira via, que poderia ser um tipo de negociação, é carta fora do baralho. A menos de dois meses da eleição e a poucos dias do sete de setembro, temos que nos apressar.
Caso haja sucesso da negociação cognitiva com os eleitores enlutados, eles poderão passar rapidamente por uma leve fase de depressão e chegarão, tão pacificamente quanto possível, à aceitação para que o Brasil possa voltar a um mínimo de normalidade democrática.