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Alexandre Borges

Alexandre Borges

O novo normal é ser normal

Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kali, durante o programa Roda Viva, da TV Cultura.
Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kali, durante o programa Roda Viva, da TV Cultura. (Foto: Gelse Montesso/TV Cultura)

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A campanha de Joe Biden usou como mote a “volta à normalidade”, tema copiado da campanha de Warren G. Harding feita cem anos antes e que fazia referência ao fim da Primeira Guerra e o retorno dos soldados americanos da Europa. É colocar uma bossa nova para tocar depois de cansar do heavy metal.

A entrevista da última segunda (30) no Roda Viva com o prefeito reeleito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, pegou muita gente de surpresa, eu incluso. Por absoluta negligência, nunca tinha ouvido Kalil falar como político, minha memória só chegava ao seu tempo como dirigente do arquirrival Atlético (MG), o que me coloca em posição totalmente insuspeita como simpatizante dele.

As eleições de novembro trouxeram para o centro do palco, além do prefeito de Belo Horizonte, políticos como Bruno Covas (São Paulo), Eduardo Paes (Rio de Janeiro), Sebastião Melo (Porto Alegre), Bruno Lins (Salvador), José Sarto (Fortaleza). Não exatamente um time de radicais ideológicos e carismáticos, com discurso messiânico de representar uma luta mitológica do bem contra o mal.

Os eleitores de 2020 não se vestem como templários ou agem como incels, não fazem danças com caixões na avenida Paulista, não derrubam cruzes na praia ou batem continência para reproduções cafonas da Estátua da Liberdade. São apenas cidadãos que querem trabalhar, colocar os filhos na escola, ter um atendimento de saúde ou opções de transporte com um mínimo de segurança e qualidade, além de opções de lazer em espaços públicos limpos, acessíveis, ordeiros e seguros. Em resumo, gente normal com demandas normais de políticos que agem como pessoas normais.

A tal onda nacional-populista foi uma resposta legítima às cobranças de cidadãos cada vez mais distantes de seus representantes e suas elites, como abordei em “Protegidos e Desprotegidos” e “O ódio da máquina”, que já podia ser antevista na ascensão em 2009 do comediante Beppe Grillo na Itália e seu movimento 5 estrelas. As sementes de tudo que “espantou” o mundo em 2016 já estavam sendo plantadas ali.

Grillo, criador do “Vaffanculo Day” (perdoe não traduzir neste espaço familiar) em 2007, foi naturalmente tratado como uma piada de mau gosto pelos políticos tradicionais e “palhaço” pela The Economist, mas a graça acabou quando fez inacreditáveis 25,5% dos votos (108 cadeiras) na câmara e 23,7% (54 cadeiras) no senado nas eleições de 2013. A Itália é um país parlamentarista e Grillo passou a ser um dos mais importantes atores políticos do país com um movimento de eleitores indignados e sem uma coloração óbvia nas velhas e obsoletas caixas de direita e esquerda.

As recentes derrotas de Donald Trump e dos governistas, neointegralistas e carismáticos podem indicar um certo cansaço do eleitor em relação a políticos que passam parte de seus mandatos no palanque e o que fazem é pouco mais do que apenas serem “contra tudo isso que está aí”. A indignação do eleitor gerou recados duros e justos aos políticos nos últimos anos, mas é possível que a nova década, iniciada sob a nuvem da pandemia do Covid-19, pode ter mudado a direção dos ventos. Ainda é cedo para ter certeza, mas há elementos para se admitir que o mundo pode estar querendo voltar ao normal.

Uma pandemia não se vence com gritos, mas com soluções viáveis, mais técnicas do que políticas, mais baseadas em ciência do que em narrativas, com mais médicos e menos falastrões, mais argumentos e menos perdigotos, líderes com mais empatia que dedos apontados e terceirizações de culpas. As milhares de mortes e a recessão mundial causadas pela doença podem ter deixado a população menos disposta a aventuras e com mais aversão ao risco.

Ainda sei muito pouco sobre Alexandre Kalil, mas o que vi na entrevista foi um discurso pragmático, nada ideológico, com respostas baseadas num aparente bom senso forjado na vida e não em discursos fabricados em universidades radicalizadas ou em assembleias. Sei que foi eleito prefeito em 2016 por um partido nanico, o PHS, e reeleito este ano no primeiro turno com admiráveis 63,36% dos votos válidos na terceira maior cidade do país. Nada mau para um novato.

Kalil não parece o tipo de político que contrata e dá poder para adolescentes tardios que passam o dia em redes sociais assassinando reputação de adversários, uma linha de corte moral importante atualmente. Suas respostas à pandemia, fator decisivo nas eleições deste ano, foram percebidas como pragmáticas e responsáveis. A resposta da população foi dada nas urnas e pode indicar um caminho para 2022.

Ainda é cedo para qualquer previsão, mas é preciso considerar a possibilidade de um certo cansaço com a incompetência travestida de autenticidade, a inexperiência como sinônimo de novidade ou a falta de empatia como virilidade. O eleitor é muito mais sábio do que se costuma admitir.

O coronavírus pode ter vitimado também a mistificação verborrágica, o que certamente seguirá, se confirmado em 2022, uma devida depuração de certa imprensa que abriu suas portas para todo tipo de arrivista que mimetizava o polemismo barato de alguns líderes que agem como parasitas de organismos desgastados e frágeis. O novo normal pode ser a volta do senso comum, o valor mais caro aos verdadeiros conservadores que têm todos os motivos para estarem esperançosos.

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