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Alexandre Garcia

Alexandre Garcia

O óbvio

A voz do povo e a vontade da maioria

Maioria dos entrevistados é a favor da democracia, mas desconfiam das ações de parlamentares e juízes.
(Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo)

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Nós, brasileiros, não perdemos a mania de discutir o evidente. Isso acontece porque não damos conta do óbvio.

A Constituição começa dizendo que “todo poder emana do povo”. Se democracia é a vontade da maioria, então o poder emana da maioria do povo. Mas uma grande maioria da dita intelectualidade contesta essa obviedade. Afirma que democracia não é a vontade da maioria. Que a vontade da maioria vira ditadura contra a minoria. E que, portanto, é preciso impor, sim, a vontade da minoria, para que haja democracia.

Os gregos chamavam isso de sofisma. O sofisma vem a propósito da minoria derrotada na última eleição presidencial, numa insistência miliciana, demostrando não reconhecer que por quatro anos o país seja governado de acordo com os princípios de uma maioria de mais de 57 milhões de eleitores.

Isso não é de agora. Sou eleitor desde 1960 e já participei de três consultas populares cujos resultados foram desprezados pelos legisladores, sem cobrança por parte dos meios de informação.

Em 6 de janeiro de 1963, os brasileiros se pronunciaram em plebiscito a favor da forma presidencial de governo em 82%; o sistema parlamentar ficou em 18%. Trinta anos depois, em 21 de abril de 1993, em referendo, quase 70% dos eleitores afirmaram preferir uma república presidencial; e 30% ficaram com a forma parlamentar de governo republicano.

Ainda assim, nossa Constituição mantém uma forma Frankenstein de governo, em que o presidente não tem os poderes para governar, mas tem a responsabilidade de governo. O Congresso manda no orçamento, mas não tem o ônus de arrecadar os recursos nem a responsabilidade de governar. Ou seja, tem o bônus de gastar.

O mesmo aconteceu com o referendo sobre armas, em 23 de outubro de 2005, sobre a lei que queria proibir o comércio de armas. Apenas 34% concordaram. E 64% foram contra, a favor das armas. Ainda assim, as restrições ao sagrado direito da legítima defesa continuaram no Estatuto do Desarmamento.

O que há com os que foram eleitos para representar seus mandantes? Não teriam que refletir a vontade da maioria? O parlamento existe para fazer leis, mudar leis, fiscalizar, criticar, apoiar – mas não para governar. Se detiver os recursos de governo, está invadindo o outro poder e o enfraquecendo – alterando o equilíbrio necessário.

Quanto à vontade da maioria, ela se reflete no governo, mas não em detrimento da minoria, já que os direitos têm que ser iguais para todos, sejam maioria ou minoria. A inversão totalitária dessa igualdade é, a pretexto de igualdade, dar mais direitos às minorias, como a prática tem mostrado.

Nos últimos anos, as redes sociais deram voz a todos, rompendo o monopólio dos meios tradicionais de informação. Democratizou-se a informação, mesmo com a resistência dos que dominavam a opinião e a informação. Antes da era digital, a forma de conduzir multidões, foi manter uma minoria nos instrumentos que poderiam controlar corações e mentes.

Foi esse tipo de máquina de engodo e convencimento que ajudou a manter no poder ditadores como Mussolini, Hitler, Stálin, Mao, Castro. Uma minoria do partido, ou da ideologia, com o monopólio da informação e da voz, fazia prevalecer a vontade, o domínio do pensamento.

Quem acompanhou a Constituinte de 1988 sabe muito bem como a voz da minoria produziu consequências. Agora a voz do povo já dispensa intérpretes para atravessar o concreto das duas cúpulas de Niemeyer.

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