No evento Democracia Inabalável apareceram duas correntes: a da conciliação como alternativa à polaridade radicalizada, e a da separação ainda maior, com punições, sem anistia, agravando o apartheid de hoje. Pelo que se ouviu nos discursos, do lado da conciliação estão os presidentes do Congresso e do Supremo. Do lado que quer ampliar a rachadura, a governadora do Rio Grande do Norte e os presidentes do TSE e da República. Os conciliadores querem diálogo civilizado entre progressistas e conservadores, liberais e estatizantes; os separatistas classificam “os outros” de fascistas, com os quais a única conversa é a punição e a censura.
O presidente do TSE vê nas redes sociais a origem dos males da democracia. Não lhe ocorre que as redes são democracia na sua essência. A ágora grega onde se debatiam as questões da cidade-Estado agora está universalizada pela via digital. Cada pessoa tem voz, em lugar de depender de monopólios que a calavam a pretexto de falar por ela. Voz garantida pelos artigos 5.º e 220 da Constituição. Se houver ofensa a direitos alheios, há o Código Penal, artigos 138 e 139: calúnia, injúria e difamação (resta aumentar as penas). Além disso, no artigo 5.º da Constituição, o inciso X estabelece que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, com direito à indenização por danos materiais ou morais.
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Autoridades que vivem longe do povo julgam que o povo é ignorante e precisa de tutor. Quem tem “tutor” hoje é gato e cachorro, segundo a novilíngua. A rede social sabe como separar os mentirosos, da mesma forma como o mercado afasta o mau produto. Cedo ou tarde o enganador é descoberto, exposto e excluído. Não é necessário um Estado-tutor, que será tentado a rasgar mais uma vez a Constituição. Protejam-nos dos bandidos das saidinhas, das audiências de custodia, dos corruptos, das leis lenientes, dos desvios dos agentes do Estado; dos farsantes nas redes sociais protegemo-nos nós. Porque é muito perigoso que depois o tutor queira ceder nossa liberdade só quando ele julgar conveniente.
Não ouvi reclamação alguma contra o cancelamento de princípios da Constituição, num evento que se propõe a valorizar a democracia. Quero, sim, principalmente, a punição dos fanáticos – ou ignorantes, ou mercenários – que destruíram artes, história, patrimônio público. Ouvi declarações grandiloquentes e hipócritas sobre a Carta Magna, mas ninguém reclamou especificamente do encolhimento da liberdade de expressão, do cancelamento da inviolabilidade de deputados e senadores por quaisquer palavras, das agressões à liberdade de expressão sem anonimato, à liberdade de reunião sem armas, à vedação de qualquer tipo de censura, ao amplo direito de defesa, à proibição de tribunal de exceção, à exigência de juiz natural, de seguir o devido processo legal. Sem isso, não existe a democracia inabalável. Sob o título do evento, está pisoteada e abalada a democracia.
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