Estamos precisando ler a Constituição com a mesma frequência e intimidade com que os evangélicos leem e citam a Bíblia. Afinal, a Constituição é o livro sagrado nas nações democráticas. Precisamos ter os princípios da Constituição como uma questão de fé – uma fé racional – porque estão passando por cima de princípios promulgados há 36 anos e ainda estamos discutindo se valem ou não, como se já não estivessem fixados em pedra. O Doutor Ulysses desceu o Sinai Constituinte e nos mostrou como as tábuas da nossa lei maior são fáceis de ler e de entender. Por isso a chamou de Constituição Cidadã, como garantia contra qualquer tipo de tirania. “Tenho nojo de ditadura”, proclamou ele na promulgação da Lei Maior.
Agora o ministro aposentado do Supremo – guardião da Constituição – Marco Aurélio Mello mostra, a quem ainda não percebeu, que a medula da Constituição é a liberdade. A liberdade está em todas as páginas do nosso Livro Sagrado a tal ponto que a Constituição proíbe qualquer restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, sob qualquer forma ou veículo, como está escrito no artigo 220. O mesmo artigo vai além: estabelece que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer veículo de comunicação social” – e observe que não escreveu apenas a palavra “liberdade”, mas a adjetivou: plena liberdade.
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O inimigo da liberdade de expressão é a censura. Para ela, o artigo 220 reserva uma arma letal: “é vedada toda e qualquer censura, de natureza política, ideológica e artística”. Qual é a exceção? Os valores éticos e sociais da pessoa e da família. É o que estabelece o artigo seguinte, mandando que a programação da televisão e do rádio respeite esses valores, isto é, respeite a família. O incrível é que está desde 1988 na Constituição – e apenas está lá, letra morta. Como vamos exigir que respeitem o Código Penal, que é lei ordinária, se não respeitam a Lei Maior? Ora, se não respeitam a lei maior, por que iriam respeitar as menores? Eis porque vivemos mal, com insegurança em tudo.
O mais incrível é que autoridades com ou sem mandato, que juraram cumprir e defender a Constituição, só fizeram isso protocolarmente. Em 1932, os paulistas deram sangue e vidas por uma Constituição. Foram bombardeados pela aviação de um governo que não queria ser limitado por uma Constituição. Fabricaram blindados e resistiram. Hoje o que blinda os que querem viver em liberdade é a própria Constituição, que está enfraquecida pelos que fazem de sua medula letra morta. Medula ferida faz o corpo se paralisar. O cale-se é a paralisia da liberdade. A Constituição tem de ser o livro de cabeceira da cidadania. E não ficar apenas na cabeceira; tem de andar nas cabeças.
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