Na próxima quinta-feira, a Constituição completa 35 anos. É a sétima em 200 anos de independência e já é a terceira em longevidade: a do Império durou 67 anos e a primeira da República vigorou por 39 anos, derrubada pela Revolução de 1930. Acompanhei por dentro a Assembleia Constituinte que a fez durante 20 meses. Na TV Manchete, eu tinha um programa semanal chamado Brasil Constituinte, com a colega Marilena Chiarelli. O programa analisava cada questão à medida que os trabalhos iam avançando. Em 5 de outubro de 1988, às 15h50, o presidente da Assembleia, Ulysses Guimarães, levantou-se da cadeira principal do plenário da Câmara, ergueu ao alto um exemplar da nova Constituição e proclamou: “Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social no Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!” Depois, todos, inclusive os presidentes da República e do Supremo, juraram “manter, defender, cumprir a Constituição”.
A Assembleia foi encerrada com um discurso memorável do Doutor Ulysses. Memorável e duro: “Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério”. E, um pouco adiante: “Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina”. E, ainda profético, falou sobre o poder do povo e a corrupção: “A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do presidente da República ao prefeito, do senador ao vereador. A moral é o cerne da pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune, tomada nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube – eis o primeiro mandamento da moral pública”. Graves palavras de Ulysses para ecoar nas consciências.
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Passados 35 anos, no tribunal ao qual a Constituição deu a competência precípua de guardá-la, assume um novo presidente. Passados 35 anos, ninguém seria capaz de lembrar o nome do presidente do Supremo que, presente ao ato de promulgação, jurou manter, cumprir e defender a Constituição, o ministro Rafael Mayer. Hoje, presidentes do Supremo são figuras públicas, populares. Mais do que isso, sapateiros que já foram muito além da sandália. Pois o novo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, no seu discurso, resumiu que cabe ao Supremo, além de interpretar a Constituição, preservar a democracia “e promover os direitos fundamentais”. Creio que ele quis dizer defender e respeitar os direitos fundamentais, já que as promoções não caberiam bem numa suprema corte. Mas, ironicamente, os direitos fundamentais não têm sido respeitados pelo próprio Supremo, como os de ir e vir, de liberdade de reunião, de livre expressão do pensamento, além da inviolabilidade do mandato parlamentar, apenas para citar alguns.
O novo presidente do Supremo descarta hegemonia, mas o fato é que o tribunal tem legislado, o que é competência do Congresso; isso sem falar na agenda que ele sugere para o Brasil, que mais parece um programa de governo do Executivo. Enfim, vivemos tempos muito estranhos. Para consolo dos mais jovens, digo que nunca vi nada tão confuso quanto o sistema politico de facto que estamos vivendo, à margem de preceitos fundamentais que foram promulgados há 35 anos. De Ulysses ao Supremo de hoje há uma distância histórica desafiando as intenções dos constituintes.
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