Campeonato de futebol decidido, o árbitro vai a uma reunião dos vencedores e se gaba, ao microfone, de ter ajudado a derrotar o principal adversário. O que fará a federação diante de tal escândalo? Pois é um caso para a corte suprema do Judiciário brasileiro resolver, já que o juiz em breve será seu presidente. Tendo se manifestado como participante da derrota do bolsonarismo, já emitiu julgamento sobre esse grupo político; como poderá ser considerado isento ao presidir qualquer julgamento que envolva um desses derrotados, um bolsonarista? A manifestação de juízo foi expressa num recinto dos vencedores, já que o Partido Comunista do Brasil, que comanda a UNE, fez parte da coligação vitoriosa. Por menos do que isso o Conselho Nacional de Justiça já expulsou juízes, mas o CNJ não julga ministro do Supremo; só quem pode julgar são os senadores.
“Nós derrotamos o bolsonarismo”, clamou o juiz, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral e em breve presidente do Supremo. Como todos sabemos, nós é eu e mais alguém ou outros. Aqui já fica uma dúvida: Nós quem? Eu e quem mais? Uma nota do Supremo explicava que ele se referia ao voto popular – o que lembra o TSE presidido por Barroso e levanta mais dúvidas sobre o significado da frase do ministro. O ministro tentou justificar-se, postando que se referia a “extremismos golpistas”. A emenda piorou, pois deixa implícito que, para ele, bolsonarismo é sinônimo de extremismo golpista. O ministro do Supremo estava emocionado no ambiente da UNE, mangas arregaçadas e rosto corado. Pode ser que as características de um magistrado, de comedimento, equilíbrio, reserva, moderação e sobriedade, tenham sido tragadas pela emoção e provocado uma catarse ou ato falho. Mas agora, como a flecha arremessada por um arco, as palavras não podem mais voltar a uma boca fechada, cujo ideal seria só falar nos autos.
São tempos muito estranhos no Judiciário. O desembargador Sebastião Coelho, depondo na memorável sessão da semana passada da Comissão de Segurança Pública do Senado, sobre presos políticos, afirmou que juízes de carreira sentem vergonha do que acontece. Uma semana antes de aparecer no congresso da UNE, o ministro Barroso afirmara, em Porto Alegre, que o Judiciário se tornou “poder político”. Isso significaria tomar poder do Legislativo, que é o poder politico representante do povo, e esquecer o segundo artigo da Constituição. São tempos em que juízes do Supremo dão entrevistas, emitem opiniões, debatem, respondem “perdeu, mané, não amola” – frase do vencedor, que agora se encaixa no contexto do que foi expressado na UNE.
Nesses dias, o ministro Gilmar Mendes bateu boca nas redes com o ex-deputado Deltan Dallagnol. Para os da minha geração, tudo estranho e inédito. Tem gente responsabilizando a TV Justiça por transformar o plenário em estúdio em que as luzes acenderam as vaidades. No mensalão, o presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, era aplaudido nos aeroportos; na Lava Jato, o juiz Sergio Moro concedia selfies nos shoppings. A atual presidente do STF era exceção. Elogiava-se a ministra Rosa Weber por sua discrição. Mas agora ela quebrou o silêncio. Comparou o 8 de janeiro de 2023 ao 7 de dezembro de 1941, quando os japoneses atacaram Pearl Harbor. E agora, como vai presidir julgamento dos réus de 8 de janeiro, uma vez que já pré-julgou, ao afirmar que foi um novo “Dia da Infâmia”? Quem vai julgar, sem que não tenha prejulgado?
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