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Alexandre Garcia

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Marco temporal

O veto e o conflito

Vetos ao marco temporal apresentados por Lula geram novo desgaste com o Congresso Nacional
Vetos ao marco temporal para demarcação de terras indígenas, apresentados por Lula, geram novo desgaste com o Congresso Nacional. (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República)

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O presidente da República vetou a essência do projeto de lei aprovado pela Câmara e pelo Senado, que reage à decisão do Supremo que considera inconstitucional parte de um artigo da Constituição. Os constituintes, eleitos pelo povo para fazer uma Constituição, trabalharam 20 meses nisso, para estabelecer que “são reconhecidos aos índios (...) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Como aprendemos no ensino básico, ocupam está no presente do indicativo, portanto, são as terras que ocupam no dia da promulgação da Constituição. Se quisessem diferente, os constituintes escreveriam “que tenham ocupado” ou “que vierem a ocupar”. Chamou-se aquela data – 5 de outubro de 1988 – de “marco temporal”. Que foi derrubado pelo Supremo e reerguido pelo projeto de lei vetado pelo presidente.

O efeito agora é o oposto do pretendido pelos constituintes de 1988: insegurança fundiária e risco de conflitos por todo o país. Não aprendemos com o passado. Domingo fez 111 anos que começou a Guerra do Contestado, em Santa Catarina e Paraná. 8 mil brasileiros mortos. Causa: insegurança fundiária. Senadores, perguntem ao seu colega Esperidião Amin o que aconteceu por lá. Há pouco, o ex-governador de Mato Grosso do Sul, o deputado estadual Zeca do PT, denunciou na tribuna que começaram invasões. Relatou que chegaram a uma propriedade de 400 hectares 80 índios em dois ônibus e invadiram uma fazenda em Rio Brilhante, que estava com 7 mil sacos de soja colhidos e milho por plantar. “Não contem comigo para invasões de propriedade produtiva”, prometeu.

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Para derrubar veto, é preciso maioria absoluta, isto é, metade mais um da Câmara (257 votos) e do Senado (41 votos). A Frente da Agropecuária tem mais do que isso, mas os perdedores vão recorrer ao Supremo. Em 2015, Dilma vetou a lei do comprovante impresso do voto, mas 368 deputados e 56 senadores derrubaram o veto de Dilma, 71% do Congresso. No entanto, numa ação de inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral da República, o Supremo derrubou a decisão do Congresso reafirmada por 424 dos 594 congressistas. A Constituição põe a casa dos representantes em primeiro lugar, coerente com o fato de que o poder emana do povo, que o exerce por seus representantes. Agora o Congresso tem, de novo, votos para derrubar o veto. Mas já vimos o poder que emana do povo acabar emanando do Supremo.

Por falar nisso, não custa repetir que o direito de propriedade está na mesma linha do direito à vida, na cabeça do artigo 5.º, que é a cláusula pétrea dos direitos e garantias fundamentais. Insegurança fundiária é insegurança social, principalmente num país em que os povos originários ocupam 14% do território – bem superior á área ocupada pela agricultura. O problema fundiário é delicadíssimo. Sempre foi motivo de conflito. A Constituição estabeleceu a pacificação com um marco que eliminaria os motivos para agitação no campo. Agora se recria a possibilidade de conflito, num país com terra abundante para todos. A racionalidade e a percepção do país real deveriam se sobrepor ao fanatismo ideológico. Mas a irracionalidade prefere apostar no conflito.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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