O que há conosco? Não nos amamos? A psicologia chama isso de masoquismo. Sofrer é nosso prazer. Ganhamos, de graça, o que para os outros países é um sonho inalcançável: ausência de catástrofes naturais, de guerras com vizinhos, clima ideal: chuva e sol nas doses certas; água abundante, por cima e por baixo; minerais de toda a sorte no subsolo; grandeza territorial, coberta de rios e florestas; abundância onde tudo dá. Talvez querendo nos punir por não termos conquistado o direito de ter tudo isso, tratamos de provocar que dê errado, para que a natureza não cometa a injustiça de privilegiar-nos sem mérito. Já pensaram que elegemos Lula por três vezes e Dilma duas vezes? E Lula pela terceira vez, a despeito de tudo que foi apurado na Lava Jato e julgado em três instâncias?
Meu colega Luiz Edgar de Andrade enganou-se quando reportou que De Gaulle dissera que o Brasil não é um país sério. Mas, se não tivesse sido um engano de informação, seria ben trovato. Para compensar – e anular – tudo o que ganhamos no Gênesis, provocamos um apocalipse no território nacional. Nem Noé conseguiria salvar-nos nesse dilúvio de passividade – ou sem-vergonhice? Agora vivemos um regime de exceção e o jornalismo nacional vive como se estivéssemos em pleno Estado de Direito. A comunicação digital deu voz a todos e os totalitários reagiram porque a democracia que propagam é só deles; só eles podem ter voz, o povo não. Povo, para eles, só se chama audiência.
Os demais tutores tradicionais do pensamento, incomodados, procuram calar a voz do povo. Afinal, puseram na Constituição que todo poder emana do povo, para que o povo se acomodasse com isso. Com o que está escrito. Assim, se esgota o poder popular e não é exercido. Mas, mesmo quando é exercido, o povo é fácil de ser enganado. Os brasileiros elegeram seus representantes no Congresso, mas quem manda é quem não tem voto. Os representantes no Congresso têm o poder de fazer leis, mas nas verdadeiras liberdades democráticas é apenas literal. Quem baixa regras, mesmo, é a suprema corte do Judiciário. Revoga até o que, cheios de esperança, considerávamos direitos e garantias fundamentais.
E lá vamos nós, jogando nosso potencial no lixo, nosso futuro no passado, nossos filhos num beco sem saída. Posso falar nisso, pois desde 1940 acompanho esse carnaval de país alegre e sem rumo, na penitência de merecedor de castigo por ter recebido um paraíso e não ter conseguido convertê-lo em terra prometida, ao contrário do que fizeram os israelenses com um deserto. Talvez um Sinai esteja dentro de nós, e habitamos um deserto submissos a ele, com aparições de falsos moisés. Talvez apenas não tenhamos ânimo e coragem para afastar as águas e atravessar o mar vermelho.
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