Todos vimos as imagens da ponte sendo levada pelas águas do Rio das Antas, em 4 de setembro. No último sábado, 138 dias depois, a ponte estava de novo ligando os municípios de Farroupilha e Nova Roma do Sul. A ponte de ferro original havia sido aberta em 4 de outubro de 1930, um dia depois do início da revolução que levou Getúlio Vargas ao poder. Agora ela mostra a vontade férrea de gaúchos da região, que não esperaram pelo governo. O governo não tinha data para pôr a ponte no lugar, mas orçava R$ 22 milhões para as obras. E prometia uma ponte nova, em outro lugar, por R$ 51 milhões. A população recuperou a ponte e a melhorou por R$ 5,6 milhões. Dinheiro de doações de empresas, rifas, eventos beneficentes e pix aberto. A força da população somou R$ 8,6 milhões. Sobraram quase R$ 3 milhões para decidirem como vão aproveitar o saldo.
A inauguração foi festiva, com discursos, comes e bebes, bênção do padre e testemunhos lembrando que políticos que oferecem emendas descontadas de 5% ou 10% não apareceram. Imagino se algum ministro ou o governador fosse lá, a vaia que haveria. Representando a Associação de Amigos de Nova Roma do Sul, que tem 200 participantes, um orador que fez a prestação de contas lembrou que a ponte será um repositório dos valores humanos da região, um monumento à força dos que fazem a nação, a despeito de o Estado que arrecada estar ausente. Lembrou aqueles que, na noite de Natal, trabalhavam na montagem da ponte, dos aposentados que compraram rifas, de todos os que se sentiam responsáveis pela ponte e depositaram seu pix. Houve leilão para saber quem passaria primeiro pela ponte. Ganhou a Associação dos Amigos de Pinto Bandeira, que atravessou a ponte gloriosamente empurrando uma Rural Willys.
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A ponte também lança a compreensão sobre dois entes: a nação, e o Estado que a representa e que existe para servi-la. No Brasil de hoje, águas turvas levaram a ponte que deveria existir ligando os dois. O Estado parece que tem vida própria, quando a vida verdadeira está na nação, como o povo do Vale das Antas demonstrou. O que o povo arrecada é em troca de bens e serviços, em relações voluntárias. O que o Estado arrecada é pela coerção e deveria ser para a prestação de bons serviços de justiça, segurança, ensino, saneamento básico, saúde e infraestrutura, como pontes. No Estado, todos são servidores do público, inclusive os que o representam pelo voto. Não deveriam ter privilégios, mais férias, melhores aposentadorias; não poderia ser uma casta. Não poderiam ser diferentes dos que pagam impostos em tudo que compram e nomeiam seus representantes pelo voto.
O que aconteceu sobre o Rio das Antas não é inédito. Lembro-me de que agricultores em Guarantã do Norte, divisa entre Mato Grosso e Pará, também tomaram a iniciativa. A BR-163 estava intransitável. Políticos criaram emendas de milhões, mas elas não chegavam à estrada. Então se reuniram, arranjaram máquinas e com R$ 90 mil tornaram o trecho transitável. Será que o Estado brasileiro não fica com vergonha, ou apenas vai alegar que as licitações é que consomem muito tempo? Mas o que consome tanto dinheiro dos nossos impostos? Por que a mesma obra, tocada por particulares, custa uma quarta parte do preço? Enfim, lá no palco improvisado na cabeceira da ponte, projetaram ao fim da inauguração um estribilho do Hino Rio-Grandense que diz: “Sirvam nossas façanhas / de modelo a toda terra”.
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