Eu já alertei aqui para o referendo que vai ser realizado na Venezuela no próximo domingo, perguntando à população se ela deseja que a Venezuela assuma o território de Essequibo, que corresponde a mais da metade da Guiana – a antiga Guiana Inglesa, cuja capital é Georgetown. Essequibo é um lugar riquíssimo não apenas em petróleo, mas em energia de quedas d’água; dá para fazer hidrelétricas, iluminar Roraima sem precisar vir o Linhão de Manaus, que não estão deixando passar.
É claro que a população venezuelana vai dizer que sim. O passo seguinte será argumentar que o governo não está sendo belicoso, mas que a população deseja justiça histórica. Há laudos e decisões de cortes internacionais em favor da Guiana, mas a Venezuela alega que o território é seu por direito. E aí? A Venezuela tem armas russas, submarino russo, aviões russos, fuzis russos, está bem armada. A Rússia tem ideias expansionistas, como sempre; há uma declaração segundo a qual a Rússia gostaria de estar “de mar a mar”, ou seja, do Atlântico ao Pacífico. Ela já está lá no Pacífico e no Báltico; um programa de televisão em Moscou já falou em anexar Portugal... Enfim, a Rússia tem um pé na Venezuela, e aí fica até mais fácil para invadir território, passando por Roraima, até pela Reserva Raposa Serra do Sol, que está na fronteira. É uma esquisitice fenomenal não da nossa estratégia, mas do Supremo, que decidiu que deveria haver uma reserva indígena na fronteira.
Com a fronteira ao sul pacificada, é hora de prestar atenção no norte
Falando nisso, quinta-feira foi o dia da pacificação entre Brasil e Argentina. José Sarney e Raúl Alfonsín, em 1985, passaram a visitar as instalações nucleares recíprocas. Acabou-se o medo e a rivalidade. Agora temos de olhar para o norte. Nós temos uma pequeníssima guarnição no topo norte, já no Hemisfério Norte. O ministro da Defesa disse quinta que ia dobrar a guarnição, mas dobrar de 70 para 140 soldados é quase nada. Imagino que o Itamaraty esteja tendo um trabalho muito grande para manter a paz no norte do Brasil.
Durou pouco a suspensão da tragédia que coloca brasileiros contra brasileiros
Enquanto isso, temos uma conflagração dentro do Brasil. Já vem de algum tempo a chamada “desintrusão”, com força policial, de colonos postos lá pelo Incra em 1994. Foram assentados e agora estão sendo expulsos, porque em 2007 foi criada uma reserva indígena para compensar índios que saíram de onde estavam para a construção de uma hidrelétrica. É um número pequeníssimo de índios para o tamanho da reserva, que tem quase 800 mil hectares.
Já houve um incidente em que um colono foi morto com dois tiros por um oficial, quando tentava tirar a arma do policial. Um outro se matou porque tudo na vida dele estava lá e ele tinha de ir embora. A casa seria demolida, as escolas onde estavam as crianças iriam fechar. As crianças vivem assustadas com o barulho dos helicópteros e dos veículos policiais. Na quarta-feira, o ministro Nunes Marques decidiu suspender a retirada trágica, mas no dia seguinte o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo, cancelou a decisão. Não porque ele é presidente do STF, mas porque ele é o relator da ação movida pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil, e portanto só Barroso poderia voltar atrás da decisão de expulsar as pessoas de lá, e não Nunes Marques.
Durou pouco a alegria e a suspensão da tragédia. A tragédia continua em São Félix do Xingu, no coração do Pará; e ao norte do Pará, com a ameaça de uma guerra entre Guiana e a Venezuela invasora.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos