Foram contabilizados ainda três instâncias de dano à urnas e 12 de falsidade ideológica.| Foto:
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Mais uma vez, passada as eleições, o tema da possibilidade de fraudes encontrou forte eco no debate público.

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O Presidente da República e vários parlamentares voltaram a endossar a proposta de se criar um sistema de comprovante impresso do voto eletrônico. A medida sofre resistência injustificada e inexplicável do atual presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, e outros membros do STF.

Aqui é importante esclarecer uma confusão que foi criada. Alguns alegam que se estaria propondo o retorno ao voto em cédula. Mas não se trata disso. O que se propõe é a adoção de urnas que imprimam um comprovante do voto, permitindo que o resultado da apuração seja auditado.

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O sistema chegou a ser aprovado pelo Congresso em 2015, por meio de Lei 13.165, que instituía o art. 59-A na legislação que regula as eleições. O dispositivo tinha a seguinte previsão:

  • Art. 59-A. No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.
  • Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica.

Basicamente, segundo a sistemática que havia sido instituída, o eleitor continuaria votando da forma como acontece atualmente, isto é, de modo eletrônico. Porém, após o registro do voto na urna eletrônica, o equipamento imprimiria um comprovante. O eleitor verificaria a correspondência entre seu voto e o contido no comprovante. Estando tudo positivo, confirmaria o voto. O comprovante seria automaticamente depositado em urna física acoplada na cabine de votação, sem acesso do eleitor ao documento impresso.

A apuração seguiria sendo eletrônica, a fim de manter sua agilidade. Todavia, em caso de pedido de recontagem ou suspeita de fraude, seria possível auditar a apuração checando o resultado consolidado com os comprovantes físicos.

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A medida, infelizmente, foi derrubada pelo STF, sem razões jurídicas consistentes. O tribunal alegou possível violação ao sigilo do voto, o que obviamente não procede, uma vez que a norma era clara ao prever que: “a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado”.

Ademais, essa questão foi colocada aos especialistas ouvidos durante a tramitação da ação perante o STF, os quais responderam:

  • Caso ocorra o “travamento do papel na urna eletrônica”, (...), a hipotética exposição dos votos registrados até então para o servidor responsável pela manutenção do equipamento permitirá a este identificar o autor de cada voto?
  • Dr. Jorge Stolfi, Professor Titular do Instituto de Computação da Universidade de Campinas – UNICAMP - “o risco hipotético de violação de sigilo levantado na ADI [travamento na impressão] é irrisório, especialmente se comparado a todos os outros riscos inevitáveis em qualquer tipo de votação”.
  • Dr. Walter Del Picchia, Professor Titular aposentado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – POLI - “não será possível identificar o autor de cada voto, pois os votos impressos não têm nenhuma informação impressa que possa identificar o eleitor. Apenas o voto do último votante poderia ser identificado, e este problema é o mesmo que sucede com as urnas sem voto impresso, quando a urna trava com a foto do candidato congelada na tela.”
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Esclarecido esse ponto, a seguir, expomos três razões pelas quais acreditamos que o Brasil deveria adotar o comprovante impresso do voto.

1) O sistema atual não é 100% invulnerável e há tecnologia capaz de incrementar a segurança dos resultados eleitorais

É comum que quando esse tema entra em pauta, algumas pessoas aleguem que o sistema atual é razoavelmente seguro.

Contudo, para haver interesse na reforma do modelo não é necessário demonstrar que ele seja extremamente inseguro. O que, de toda forma, alguns afirmam: o Juiz Eleitoral aposentado Ilton Dellandréa diz que fraudar urnas é mais fácil do que infectar um PC com vírus. Ainda que alguns possam defender, de modo fundamentado, que a opinião é exagerada, ela não é inexistente.

Todavia, não é necessário comprovar tamanho grau de insegurança. Basta que haja um risco real (mesmo que pequeno) e uma tecnologia disponível que reduza esse risco. Esses dois elementos estão presentes.

De fato, o simples fato de pessoas sérias e capacitadas alegarem que o modelo de urnas usadas no Brasil tem níveis de confiabilidade, segurança e transparência inferiores a uma tecnologia passível de ser adotada é o suficiente para motivar a modificação do modelo atual.

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Pois bem, quanto à vulnerabilidade das urnas, o número de matérias e trabalhos a respeito do tema é inabarcável. Salientamos, apenas a título ilustrativo, as constatações dos seguintes pesquisadores:

  • a) Diego Aranha: conforme notícia constante do site do Senado, o professor da UNICAMP averiguou que as urnas são suscetíveis a fraudes no voto e também à quebra do sigilo;
  • b) Pedro Rezende: segundo reportagem da Gazeta do Povo, o professor de segurança de dados da Universidade de Brasília (UnB) afirma que as urnas são vulneráveis;
  • c) Amílcar Brunazo Filho: engenheiro, coordenador do Fórum do Voto eletrônico, autoridade em segurança de dados, conclui que nosso modelo de urnas é ultrapassado e inseguro.

Saliente-se que eventuais fraudes eleitorais violariam um dos padrões básicos de uma democracia: eleições justas.

Conforme apontamos em artigo anterior, uma das instituições essenciais do sistema democrático são as eleições livres, justas e periódicas.

Eleições justas, segundo Robert Dahl, nada mais são do que eleições em que cada voto é contado igualmente: one man, one vote. Ou seja, ela exige que o resultado apurado corresponda aos votos efetivamente depositados.

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A sistemática atual de voto exclusivamente eletrônico, no entanto, não atende a essas exigências, ao menos não na mesma medida em que o faria um sistema passível de ter o resultado das apurações auditado.

Frise-se, ainda, que segundo pesquisa de opinião feita pelo Paraná Pesquisas, embora uma ligeira maioria confie na urnas, cerca de 70% dos entrevistados se manifestou favoravelmente à criação de um sistema de comprovante impresso do voto.

Por fim, quanto a esse ponto, cabe ainda responder a uma observação exposta tanto pelo ministro Luís Roberto Barroso quanto por seu colega Alexandre de Moraes. Ambos já afirmaram que nunca houve prova de fraudes generalizadas. Ora, como isso poderia ser provado num sistema impassível de ser auditado? Na verdade, nunca houve prova de que foram praticadas fraudes generalizadas; nem de que não foram. Esse é o ponto. Exigir essa prova por parte dos defensores da impressão de comprovante do voto implicaria no que no direito é chamado de prova diabólica, uma prova impossível (ou excessivamente custosa) de ser feita.

2) Sistemática atual é pouco transparente e reduz o protagonismo do cidadão comum

É possível que técnicos ou especialistas em urnas tenham alto grau de certeza sobre a segurança do modelo atual. Mas isso não é suficiente para sua manutenção.

Com efeito, num sistema democrático, o processo público de eleições tem de ser claro, e passível de ser compreendido pela população em geral, não por técnicos e especialistas.

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Conforme salientamos em post anterior sobre a democracia, um dos elementos essenciais do sistema democrático é a possibilidade de participação efetiva pelo cidadão comum.

Para poder participar, o cidadão tem de poder alcançar entendimento esclarecido sobre uma política e seu funcionamento. Ou seja, ela tem de ser acessível a ele. Por isso, entre várias formas possíveis de atuação, deve-se adotar aquela mais simples e que facilita a compreensão e participação popular.

Contudo, as urnas eletrônicas possuem um intrincado e complexo funcionamento que requer conhecimento técnico especializado para sua compreensão. Qualquer um que não entenda esse sistema e diga que ele é seguro está simplesmente reproduzindo uma opinião que ele ouviu ou "chutando". Essa não é uma opinião própria decorrente do entendimento da questão.

A vigência de um sistema complexo e que exige conhecimentos especializados prejudica a tarefa de acompanhamento e fiscalização pelos atores sociais desprovidos desse tipo de conhecimento, o que engloba a esmagadora maioria da população.

O eleitor não tem como conferir sequer o próprio voto. Assim, o cidadão comum, por não possuir, de modo geral, o conhecimento técnico envolvido, não tem como exercer a sua cidadania na fiscalização do sistema eleitoral.

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Resta, desse modo, violado um princípio basilar do Estado Democrático de Direito.

Aliás, essa foi a principal razão pela qual alguns países reputaram inconstitucional a sistemática hoje adotada no Brasil.

O Tribunal Constitucional Alemão foi um deles. A Corte decidiu que “um ‘evento público’ como uma eleição implica que qualquer cidadão possa dispor de meios para averiguar a contagem de votos, bem como a regularidade do decorrer do pleito, sem possuir, para isso, conhecimentos especiais.” Também na Índia, a Suprema Corte determinou à comissão eleitoral que se adéque e adote sistema com impressão do comprovante do voto.

3) Não se trata de nenhum retrocesso, mas de um avanço

Os detratores da proposta de adoção do comprovante impresso do voto passaram a utilizar o chavão “voto impresso” para lançar uma campanha de desinformação chamando a novidade de “retrocesso”. Com isso, eles tentam passar para a população a sensação de que estaríamos voltando ao sistema pré-96, quando o eleitor precisava passar alguns minutos preenchendo uma cédula de voto que após era depositada em uma urna. O ministro Luís Roberto Barroso chegou a comparar a adoção do comprovante impresso do voto à aquisição de um vídeo-cassete.

São alegações sem sentido.

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Na verdade, as urnas propostas são de geração ulterior às usadas no Brasil. Enquanto as urnas hoje em uso no país são classificadas como de primeira geração; as que são capazes de gerar o comprovante impresso do voto são descritas como de segunda ou terceira geração, cujo sistema em inglês é chamado de paper trail ou verifiable paper record. Essa urnas mais modernas aliam os benefícios do voto eletrônico com a segurança e transparência do papel impresso.

Ou seja, trata-se de um modelo mais moderno, de uma tecnologia mais avançada, não o contrário. Na verdade, a meu ver, estamos propondo a adoção do streaming, enquanto Luís Roberto Barroso quer continuar com DVDs.

Tanto assim, que alguns países que chegaram a adotar o sistema de urnas eletrônicas, após o aparecimento da tecnologia que permite a impressão do comprovante do voto migraram para esse sistema.