Ouça este conteúdo
Conforme divulgado pela Gazeta do Povo, o ministro Alexandre de Moraes determinou buscas ilegais no domicílio de empresários apoiadores do presidente Bolsonaro, além de outras medidas restritivas abusivas, como censura a perfis em redes sociais, e invasão de privacidade mediante quebras de sigilo.
A decisão é brutalmente arbitrária e desproporcional, além de conter novos indícios de captura política da cúpula do Poder Judiciário.
Vejamos por quê.
1. Conversas não contêm conteúdo criminoso
As diligências ilegais decretadas por Alexandre de Moraes foram formalmente motivadas por matéria sensacionalista publicada por jornalista de oposição. Tanto a matéria quanto outras publicações que reverberavam seu conteúdo buscavam induzir o leitor a acreditar que houvera sido descoberta uma conspiração para aplicar um golpe de Estado em caso de frustração do grupo com os resultados eleitorais. Numa patente jogada ensaiada, logo depois da divulgação do material encapsulado em uma narrativa hiperbólica, grupos de extrema-esquerda peticionaram perante o STF requerendo a perseguição aos apoiadores do atual mandatário.
A matéria, no entanto, pelo que foi tornado público até o momento, não revela qualquer conteúdo criminoso. Ao contrário do que davam a entender as chamadas midiáticas, inexistiu flagrante de qualquer prática delitiva, atos preparatórios para cometimento de crime ou incitação a práticas ilícitas. Essa também foi a conclusão de outros juristas ouvidos pela Gazeta do Povo e, inclusive, por veículos de oposição.
Confira os trechos mais relevantes das falas (a matéria que, formalmente, motivou a decisão pode ser acessada aqui, enquanto o pedido formal de perseguição pode ser encontrado aqui):
Empresário Marco Aurélio Raymundo, da Mormaii:
"Golpe foi soltar o presidiário
Golpe é o 'supremo' agir fora da Constituição
Golpe é a velha mídia só falar m..."
José Koury, do Barra World Shopping:
"Prefiro Golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes"
Afrânio Barreira, Grupo Coco Bambu: mandou um joinha na frase de Koury. Saliente-se que a frase de Koury, embora reprovável, não configura conduta criminosa, tratando-se de mera exposição de preferência. Some-se a isso que as circunstâncias descontraídas típicas de um grupos de WhatsApp dessa natureza também têm de ser levadas em consideração.
André Tissot, Grupo Sierra, em resposta a texto que dizia que as manifestações pacíficas de 7 de Setembro seriam abordadas como ameaça de golpe (o que, de fato, se concretizou):
"O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias do governo"
Essa fala contém tonalidade censurável, mas distante de configurar ilícito penal, pelas mesmas razões expostas acima, bem como porque não se pode organizar, praticar ou incitar atos no passado.
Empresário José Isaac Peres, da rede Shopping Multiplan:
"Lula só ganha se houver fraude grossa"
"O STF tem 10 ministros petistas"
Talvez esse tenha sido o caso mais desumano. Além de inexistir qualquer elemento juridicamente (ou mesmo moralmente) censurável na fala, a vítima das ilegalidades tem hoje 82 anos.
Meyer Nigri, da Tecnisa: limitou-se a repassar texto que dizia que Barroso interferia nas eleições por mentir sobre o voto impresso.
Ivan Wrobel, da W3:
"Quero ver se o STF tem coragem de fraudar as eleições após um desfile militar na Av. Atlântica com as tropas aplaudidas pelo público".
Luciano Hang, dono da Havan, empresário humanista e filantropo:
"Temos mais 4 anos de Bolsonaro e mais 8 de Tarcísio aí não terá mais espaço para os vagabundos".
A simples leitura das frases expõe o nível de excentricidade das medidas ilegais decretadas pelo STF. Frise-se que os delitos invocados exigem violência ou grave ameaça e não se caracterizam por meras preferências ou simples desejos de que tais atos houvessem ocorrido no passado. De modo patente, portanto, inexiste conduta penalmente relevante. Aliás, com exceção das palavras de André Tissot e José Koury, as demais manifestações não comportam censura de qualquer ordem. Importante ressaltar que, embora o conteúdo do processo esteja sendo escondido da sociedade, matéria do Jornal Folha de São Paulo revelou que Moraes teve a reportagem do jornalista oposicionista como única base para a decretação das medidas abusivas.
2. Inexistindo conteúdo criminoso, mensagens estão acobertadas pela proteção constitucional à privacidade e seu uso configura prova ilícita (provas derivadas também serão ilícitas)
Nossa Constituição é expressa ao resguardar o sigilo das comunicações (art. 5º, XII) e a intimidade e a vida privada (art. 5º, X). No âmbito infraconstitucional, o Código Civil prevê que "salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública" está resguardada a "transmissão da palavra" (art. 20). O art. 153 do Código Penal ainda criminaliza a conduta de "divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem"
Cônscia desses mandamentos, em 24 de agosto de 2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.903.273, proferiu decisão assentando o que segue:
O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X, da CF/88) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC/02). No passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo tradicional método das ligações telefônicas. Com o passar dos anos, no entanto, desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da internet e, mais recentemente, da rede social WhatsApp, o qual permite a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo. Nesse cenário, é certo que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, como também aquelas travadas através do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Em consequência, terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial.
Ou seja, a decisão prevê apenas duas formas pelas quais conversas de WhatsApp podem ser tornadas públicas: pelo consentimento dos participantes ou mediante autorização judicial. A previsão da ausência de justa causa constante do art. 153 do Código Penal também indica que, havendo motivo juridicamente acobertado, é possível a divulgação. Isso teria ocorrido caso houvesse, de fato, conteúdo criminoso, indicando séria confabulação de um golpe, o que no entanto não se faz presente no material ora divulgado, como já demonstramos no item 1.
Logo, percebe-se que nenhuma das circunstâncias que tornaria lícita a publicidade do material estava presente. A captura das conversas deu-se de modo sub-reptício, por agente infiltrado sem qualquer espécie de anuência, e sua divulgação ocorreu sem justa causa ou autorização judicial e à revelia dos participantes das conversas.
Ausente qualquer razão que tornasse a revelação do conteúdo lícita, sua utilização judicial como prova é inadmissível, sendo inaceitáveis também quaisquer elementos de informação descobertos a partir delas, por força do art. 157, § 1º, do CPP:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas (...).
3. STF é órgão incompetente para conhecer do caso
O STF, segundo art. 102 da Constituição, só possui competência para casos penais quando o autor do delito - ou ao menos um de seus comparsas (Enunciado 704 da Súmula do STF) - possuir foro por prerrogativa de função perante a Corte.
No caso concreto, ainda que houvesse qualquer prática criminosa - o que não há, como já vimos -, nenhuma das pessoas envolvidas ocupa cargo que lhe conceda foro perante aquele Tribunal, tampouco existe qualquer indício concreto de que alguém com foro tenha participado das conversas utilizadas para justificar as medidas restritivas.
Contudo, o que vem ocorrendo é que, em virtude da parcialidade do STF contra o Presidente, todo opositor sonha em poder litigar perante o Supremo em causas que de algum modo - ainda que tênue - tenha a chance de atingir o Chefe do Executivo Federal. A Corte vem, então, manipulando sua competência de modo a sempre abranger esse tipo de questão, viabilizando aos grupos contrários ao titular da chefia do Estado o que no jargão jurídico se chama de forum shopping: a possibilidade de escolha estratégica para litigar perante órgão com posições jurídicas mais favoráveis.
4. PGR não foi ouvida previamente
O art. 103, § 1º, da CRFB/88 é claro no sentido de que "o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido (...) em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal".
Essa previsão é particularmente sensível no âmbito processual penal, a fim de favorecer e fortalecer o modelo acusatório. Nesses casos, a prévia oitiva do Ministério Público é medida necessária para que o órgão exerça sua função de defesa da ordem jurídica (art. 127 da Constituição), tutelando a legalidade das investigações e a preservação dos direitos do investigado. Ademais, a prévia manifestação ministerial é essencial para que - enquanto titular exclusivo da ação penal pública - manifeste-se sobre a conveniência e necessidade das provas objeto da diligência requerida. Nesse sentido, decidiu o Min. Teori Zavascki, em 2015: "
(…) instaurado o inquérito, não cabe ao Supremo Tribunal Federal interferir na formação da opinio delicti. É de sua atribuição, na fase investigatória, controlar a legitimidade dos atos e procedimentos de coleta de provas, autorizando ou não as medidas persecutórias submetidas à reserva de jurisdição, como, por exemplo, as que importam restrição a certos direitos constitucionais fundamentais, como o da inviolabilidade de moradia (CF, art. 5 o , XI) e das comunicações telefônicas (CF, art. 5 o , XII). Todavia, o modo como se desdobra a investigação e o juízo sobre a conveniência, a oportunidade ou a necessidade de diligências tendentes à convicção acusatória são atribuições exclusivas do Procurador-Geral da República (Inq 2913-AgR, Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe de 21-6- 2012), mesmo porque o Ministério Público, na condição de titular da ação penal, é o verdadeiro destinatário das diligências executadas (Rcl 17649 MC, Min. Celso de Mello, DJe de 30.5.2014) (Pet 5.260/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 11.3.2015.)".
Frise-se que a omissão da prévia consulta ao MP coloca o juiz em contato direto com as investigações, sem a intermediação do titular exclusivo da ação penal pública, contaminando sua imparcialidade e inércia, e enfraquecendo o modelo acusatório.
Por isso, atualmente, os melhores processualistas e constitucionalistas do país defendem que o Ministério Público sempre tem de ser ouvido antes da imposição de medidas cautelares, sejam elas pessoais, patrimoniais ou probatórias.
No caso concreto, a atuação de Alexandre de Moraes foi descrita pela imprensa como um "drible" na PGR. Obviamente, um juiz que pretende dar dribles para ver medidas persecutórias e investigativas realizadas é um juiz comprometido e, por conseguinte, parcial.
Com efeito, a imparcialidade do julgador é acertadamente descrita pela Suprema Corte Canadense como "um estado mental no qual o julgador está desinteressado do resultado" (R. v. S. (R.D), 1997, 3 SCR 484), o que é evidentemente incompatível com a tentativa de driblar o titular da ação penal.
Já há quase meio século, acertada lição da Corte Europeia de Direitos Humanos demonstrou que a imparcialidade não é apenas subjetiva, mas também objetiva. Conforme arrematou aquele tribunal nos casos Piersack v. Belgica e DeCubber v. Belgica, a imparcialidade tem uma liturgia própria, de modo que o comportamento do julgador, o modo como ele aparenta atuar - por exemplo, revelado na obsessão por levantar provas contra pessoa específica - é o suficiente para demonstrar sua parcialidade.
5. Intimação posterior à decisão não respeitou exigência legal do Estatuto do MP Federal
Conforme previsão constante da Lei Complementar 75/93:
"Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União: (...) II - processuais: (...) h) receber intimação pessoalmente nos autos em qualquer processo e grau de jurisdição nos feitos em que tiver que oficiar."
Do dispositivo, extrai-se que é prerrogativa do órgão ministerial ser intimado pessoalmente e nos autos, ou seja, o magistrado tem de enviar a decisão encartada nos autos respectivos para que dele tenha acesso integral o membro do MP. A razão é viabilizar sua atuação como fiscal da legalidade da investigação, dos direitos fundamentais do investigado e da Constituição de modo geral, verificando se a decisão e suas motivações formais correspondem aos elementos constantes dos autos.
Saliente-se que inexiste na legislação brasileira hipótese de sigilo em processo penal oponível ao membro do MP oficiante na causa.
É ainda digno de registro que o simples envio da decisão ao MP (desacompanhada dos autos), por óbvio, não viabiliza a atuação ministerial descrita acima.
A tentativa de violar essa prerrogativa traz fortes indícios de que o procedimento é frágil e eivado de irregularidades, o que se busca ocultar mediante a negativa a acesso aos autos.
No caso concreto, o Min. Alexandre de Moraes, desobedecendo à lei, limitou-se a enviar à PGR cópia da decisão, o que não satisfaz à prerrogativa de "intimação pessoalmente nos autos".
Os advogados de defesa também alegam que não tiveram acesso aos autos, o que fere a Súmula Vinculante 14 do próprio STF:
"É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa."
6. Desproporcionalidade das medidas aplicadas gera fundada suspeita de desvio de finalidade
Algumas das medidas impostas pelo ministro não apresentam qualquer nexo lógico com os supostos "crimes" investigados. A constrição da bens e a censura de perfis, particularmente, são desnecessárias para o avanço das investigações dessa espécie delitiva.
Logo, sua decretação, ainda mais diante do contexto acima narrado e durante período eleitoral, gerou em muitos a suspeita de que tenha havido desvio de finalidade. Isto é, que o processo tenha sido utilizado como pretexto, a fim de constranger o patrimônio e censurar o perfil de pessoas, buscando inviabilizar que efetuassem doações de campanha ou se manifestassem em redes sociais em favor de candidatos.
7. Número e velocidade de vazamentos são muito preocupantes
Poucas horas após a execução das medidas invasivas decretadas pelo Ministro Alexandre de Moraes, a imprensa já começou a divulgar dados obtidos por meios das ações de busca e apreensão.
Uma das notícias dizia existirem conversas entre Aras e alguns dos alvos. Patentemente, existe o risco de que a informação tenha sido vazada como forma de constranger o PGR a não atuar, de modo independente, na defesa da legalidade e dos direitos fundamentais dos investigados, buscando inocular na opinião pública a pré-disposição para ler medidas nesse sentido como uma tentativa de blindar um conhecido.
O fato demonstra leviandade no tratamento de informações privadas conseguidas por meios coativos. Com efeito, quando agentes do Estado utilizam meios coercitivos para invadir a intimidade de qualquer cidadão, impõe-se a máxima de diligência para resguardar seu sigilo.
Isso é ainda mais preocupante tendo em vista que os anais da história registram casos em que medidas invasivas e abusivas foram decretadas não em face da suspeita da prática de crimes, mas apenas para realizar devassas, conseguindo elementos constrangedores da vida privada para chantagear ou intimidar a vítima.
8. Declarações de opositores dão novos indícios de sequestro político da Corte
Em artigo que trata de espécies de falhas de processo político, o prof. da Universidade da Califórnia Stephen Garbaum aponta que um deles ocorre exatamente quando grupos políticos “miram e capturam instituições projetadas para serem independentes do controle político (…), como tribunais, promotores e comissões”.
Ele indica como essa espécie de captura tende a reduzir o nível de accountibility horizontal do grupo que obtém sucesso na cooptação e como isso tende a consolidar poder em suas mãos, o que “mina a estrutura constitucional da democracia representativa”. Segundo ele, “o novo e corrompido processo político resultante é qualitativamente diferente e muito menos ‘confiável’ do que um baseado em uma maior dispersão de poder e instituições mais robustas de prestação de contas.”
Ele faz uma interessante comparação com o mercado: se a democracia é um mercado de vários players buscando ampliar sua autoridade política por meio da obtenção de apoio (uma espécie de conquista de mercado pela adesão de clientes), a captura de instituições independentes funciona como a implementação de um monopólio de poder pela manipulação das ações do órgão antitruste.
Pois bem, conforme registrou matéria da Gazeta do Povo, em declaração próxima do dia dos fatos, deputado federal André Janones após caluniar o empresário Luciano Hang, afirmou:
“Luciano, pode vir com o processinho mas lembra que eu tenho foro privilegiado, tá? Quem julga é o Xandão!”
A frase demonstra o STF sendo - explícita e declaradamente - descrito como um órgão de blindagem política. Declaração pública com esse conteúdo, logicamente, reduz o nível de confiança da população na capacidade de as instituições funcionarem de modo independente e equitativo. Isso se torna ainda mais grave quando autoridades eleitorais estão envolvidas, visto que isso mina a credibilidade do próprio processo democrático.
O jornalista Sílvio Navarro comentou o fato:
Um dia antes de as medidas abusivas serem executadas, o mesmo deputado fez outra postagem no Twitter afirmando: " “Algo me diz que o Luciano Hang nunca mais mexe comigo. Algo me diz.” No mesmo dia, a candidata pelo PT Roberta Luchsinger publicou a seguinte mensagem: “Fiquei sabendo que a caneta do Alexandre de Moraes vai descarregar tinta essa semana”.
O modo como os militantes partidários se referem à Corte deixa patente que a enxergam como instrumento de intimidação e blindagem. Frise-se que Tribunais superiores efetivamente adquiriram esse perfil em países como Nicarágua e Venezuela, pouco antes do completo colapso de suas democracias. Hoje ditaduras são mantidas com auxílio do Poder Judiciário, mediante prática corriqueira de lawfare contra grupos de oposição ao chavismo.