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André Uliano

André Uliano

Técnica de decisão utilizada por Fachin não é compatível com o caso

Fachin errou em decisão sobre lista tríplice para reitores

(Foto: Roberto Jayme/TSE)

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Luiz Edson Fachin proferiu recente decisão no bojo da ADI 6.565, ajuizada pelo Partido Verde. Na ação, o partido pede que seja declarada a inconstitucionalidade de dispositivo criado pela Lei 9.192 de 1995, o qual determina que reitores e vice-reitores de universidades federais sejam escolhidos pelo Presidente da República, atendidos inúmeros requisitos de qualificação, dentre uma lista tríplice elaborada pela própria universidade.

Em sede de liminar, Fachin acolheu o pleito e determinou que o Presidente deve respeitar a lista tríplice e escolher o mais votado. A decisão é inegavelmente estranha. Ela cria uma lista tríplice de um só. Falaremos mais sobre isso adiante.

O fato é que a decisão do ministro nos parece bastante equivocada e com fortes indícios de parcialidade conforme apontaremos a seguir.

Primeiramente, a medida decretada por Fachin reduz a possibilidade de a população em geral influenciar, de qualquer maneira que seja, na indicação da chefia das universidades federais, as quais são financiadas com dinheiro público. A decisão privilegia os grupos majoritários das corporações universitárias, retirando qualquer influência da população em geral. É um claro equívoco. Sendo financiadas por meio de tributos, é salutar que as universidades sofram influxo das decisões políticas da população, o que nas democracias participativas ocorre, normalmente, por meio de seus representantes eleitos.

Em segundo lugar, a medida reduz drasticamente o papel das minorias políticas nas universidades, praticamente inviabilizando que cheguem a exercer mandatos na chefia da instituição. Com efeito, a lista tríplice é um mecanismo destinado a viabilizar formas de rotatividade entre os grupos universitários responsáveis pela gestão. O critério imposto por Fachin dificulta isso. Em alguns casos, quando o grupo majoritário for suficientemente consolidado politicamente dentro da instituição, a decisão do ministro impede qualquer rotatividade e pode acabar criando verdadeiras oligarquias universitárias.

Em terceiro lugar, inexiste fundamento constitucional para a decisão de Fachin. Nossa Constituição não define diretamente como se dará a eleição de reitores. Ela estabelece a autonomia universitária, mas a autonomia não é incompatível com a lista tríplice. Aliás, a própria Constituição institui a lista tríplice em instituições para as quais também atribuiu autonomia, como é o caso dos Ministérios Públicos Estaduais (art. 127, § 2º, prevê a autonomia do órgão e o art. 128, § 3º, estabelece a eleição do Procurador-Geral de Justiça dos Estados por meio de lista tríplice). A autonomia do MP e das universidades não é idêntica, mas de todo modo é um forte indicativo de que a autonomia não é incompatível com o critério legal da lista tríplice.

Na verdade, quando a Constituição se limita a estabelecer a autonomia, sem afirmar que o Reitor será escolhido diretamente pela universidade, ela está deixando aberta a possibilidade para que os representantes eleitos da população, compatibilizando todos os fatores descritos acima – influxo das decisões democráticas, participação de minorias, rotatividade permitindo que todos os grupos deem sua contribuição temporária –, determine a forma de escolha dos reitores. A lista tríplice atende perfeitamente aos critérios constitucionais. O legislador até poderia instituir eleição pura e simples. Mas não o fazendo, não incide em inconstitucionalidade.

Aliás, essa foi a posição que durou por mais de duas décadas. De fato, estamos falando de uma legislação que vigora há cerca de 25 anos, contando com inúmeras decisões dos Tribunais Regionais federais sustentando sua constitucionalidade. Ministros do STF também já deram decisões reconhecendo a validade da lista tríplice.

Inclusive, o próprio ministro Fachin. Recentemente, em decisão proferida no Mandado de Segurança 31.771, em 2016, ele enfrentou pedido de professor mais votado em lista tríplice para que fosse nomeado Reitor. Denegando o pleito, Fachin consignou que “o ato de nomeação ou recondução de um Reitor de uma universidade é prerrogativa do(a) Presidente da República, revestida dos critérios de conveniência e oportunidade. Dentre os que figuram na lista tríplice, porque já atendem aos requisitos da lei, não há hierarquia e o(a) Presidente pode escolher livremente o nomeado.” Fachin ainda citou outros julgados de ministros do STF no sentido de privilegiar a decisão presidencial diante de listas de candidatos: MS 21.604, de relatoria do Min. Néri da Silveira; e, Petição 4.528, julgada pela Min. Cármen Lúcia.

Por isso, dizemos que a decisão tem fortes indícios de parcialidade. Mudou o Presidente, uma legislação que vigora há 25 anos com respaldo de toda jurisprudência, tornou-se inconstitucional da noite para o dia.

É de se ressaltar que se trata de decisão que deteriora a autoridade do STF. Em qualquer democracia razoavelmente consolidada, como cremos ser o caso do Brasil, sabe-se que a estabilidade e a credibilidade da jurisprudência impede que juízes isoladamente ou mesmo Tribunais deem verdadeiros “cavalos de pau” no direito do país. No Brasil isso tem ocorrido com uma frequência inaceitável. E essa decisão parece ser mais um exemplo.

Saliente-se que, caso se confirmasse a hipótese de parcialidade do julgador, tratar-se-ia de enorme injustiça do ministro. O tratamento diferenciado não seria apenas ao Presidente em si. Mas ao grupo social que o elegeu. Reduzir seletivamente os poderes do Presidente equivale a esvaziar a cidadania de seus eleitores, tratando-os como cidadãos de segunda classe em relação aos eleitores dos Presidentes anteriores.

É de se ressaltar que Fachin não simplesmente votou pela inconstitucionalidade. O que já seria equivocado, como vimos acima. Ele derrubou a lei monocraticamente.

Já escrevemos sobre o abuso atual no tocante ao uso de decisões monocráticas. Esse tipo de decisão existe para dois fins: a) urgência em vista de risco de dano irreversível, ou seja, casos extraordinários que não podem aguardar a instrução processual; b) casos em que a jurisprudência é consolidada, não havendo por que consumir a pauta do órgão colegiado.

Ora, no caso, a legislação vigora há 25 anos, sem que tenha ocasionado qualquer dano. Não como alegar urgência contra uma lei que tem mais de duas décadas sem que tenha ocasionado qualquer prejuízo. Ademais, a jurisprudência é pacificada em favor da lista tríplice.

Logo, uma liminar desse tipo é uma nítida violação à chamada cláusula de reserva de jurisdição, exposta no art. 97 da Constituição:

  • “Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros (...) poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”

Ou seja, só o Plenário poderia analisar essa questão. Mesmo no caso de o Plenário julgar a ação procedente, pelas razões acima expostas, tratar-se-á de mais um caso de ativismo, em que a maioria do Tribunal, composta por 6 pessoas não eleitas, mudaria o direito brasileiro sem o devido processo legislativo. Mas uma decisão liminar é ainda mais infeliz diante das peculiaridades do caso descritas acima.

Por fim, a decisão de Fachin ultrapassa os limites da jurisdição, pela seguinte razão: quando o STF julga uma norma inconstitucional, ele expulsa a norma inválida, o que implica no retorno da legislação anterior. Contudo, no caso, isso não agradava Fachin, pois concedia ainda mais poder ao Presidente da República, uma vez que a Lei 7.177 de 1983 estabelecia a indicação do Presidente por lista sêxtupla.

Daí porque Fachin teve de lançar mão do que no jargão jurídico chamamos de interpretação conforme. O julgador não julga a norma inconstitucional. Ele diz que ela é constitucional, desde que interpretada conforme a Constituição.

Contudo, Fachin ultrapassou os limites do que seria legítimo fazer por meio dessa técnica. A razão é simples:

  • segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador” (trecho extraído do livro “Curso de Direito Constitucional” de Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco, 12 ed., página 1415).

Nesse sentido, alguns julgados do STF:

  • Impossibilidade, na espécie, de se dar interpretação conforme a Constituição, pois essa tecnica só e utilizavel quando a norma impugnada admite, dentre as varias interpretações possiveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma e univoco, como sucede no caso presente. (…) (ADI 1344 MC, Relator(a): MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/1995, DJ 19-04-1996 PP-12212 EMENT VOL-01824-01 PP-00137)
  • Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição. (ADI 3046, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2004, DJ 28-05-2004 PP-00003 EMENT VOL-02153-03 PP-00017 RTJ VOL-00191-02 PP-00510)

Ainda que esse limite ao uso da interpretação conforme seja maleável, no caso concreto, quando Fachin estabeleceu uma lista tríplice de um só, ele claramente violentou o texto legal, sob qualquer forma que se possa compreendê-lo. A expressão é autocontraditória.

Por esses motivos, cremos que se trata de decisão enormemente equivocada. Esperamos que possa ser revista pelo Plenário da Corte.

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