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André Uliano

André Uliano

Investigação contra auditoria partidária viola prerrogativa legal

diferença urna eletrônica
Novo modelo da urna (Foto: Abdias Pinheiro/divulgação TSE)

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Durante esta semana, o Partido Liberal divulgou relatório resumido das constatações da auditoria contratada pela agremiação sobre o sistema de urnas brasileiro. O trabalho foi realizado pelo Instituto Voto Legal, encabeçado pelo engenheiro Carlos Rocha, nome respeitado na área e que foi um dos responsáveis por desenvolver o primeiro modelo de urnas usado no Brasil. O curto documento, de apenas duas laudas, é um resumo de um dossiê mais robusto que foi entregue diretamente ao TSE no último dia 19. As conclusões são bastante graves e passam a impressão de que se encontrou na Justiça Eleitoral um estado de forte desorganização e despreparo em termos de segurança cibernética.

Segundo noticiou a Gazeta do Povo, "os técnicos responsáveis pela auditoria afirmaram no documento divulgado que depararam com um ""quadro de atraso" na implantação de medidas "mínimas necessárias" na segurança da informação; risco de invasão interna ou externa nos sistemas eleitorais, "com grave impacto nos resultados das eleições de outubro"; e um "poder absoluto" de alguns técnicos da Corte para "manipular resultados da eleição, sem deixar qualquer rastro"".

Mas o que chocou mais do que os resultados da auditoria foi a reação truculenta e desproporcional da autoridade eleitoral. Poucos minutos após a divulgação do material – portanto, antes que qualquer averiguação minimamente séria, profunda e de boa-fé pudesse ter sido feita acerca das alegações –, o órgão já lançou documento asseverando que as conclusões eram “falsas e mentirosas” e que os responsáveis pelo documento seriam investigados criminalmente.

A resposta do TSE viola o exercício regular de uma prerrogativa do partido, esvazia um mecanismo de check instituído pelo legislador e aumenta a desconfiança das pessoas no sentido de que a Corte não atua de maneira minimamente receptiva e construtiva em relação às críticas que recebe.

Com efeito, o legislador brasileiro optou, conforme previsto no art. 66 da Lei das Eleições (nº 9.504/97), por conceder aos partidos políticos a seguinte prerrogativa legal:

“Os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições e o processamento eletrônico da totalização dos resultados”.

O §7º desse artigo, adicionado em 2002 pela Lei 10.408, diz ainda:

“Os partidos concorrentes ao pleito poderão constituir sistema próprio de fiscalização, apuração e totalização dos resultados contratando, inclusive, empresas de auditoria de sistemas, que, credenciadas junto à Justiça Eleitoral, receberão, previamente, os programas de computador e os mesmos dados alimentadores do sistema oficial de apuração e totalização.”

Logo, trata-se de direito legalmente constituído a faculdade dos partidos de realizar auditoria do sistema eleitoral e inclusive de efetuar “apuração e totalização dos resultados” paralelamente. Cuidando-se de direito legal, por óbvio, ele não pode estar à mercê das decisões administrativas do TSE.

É de se adicionar que esse direito dos partidos é um típico mecanismo de check sobre a atuação da Autoridade Eleitoral. Ora, sendo uma forma de controle sobre o trabalho do órgão, logicamente, ele não pode ser embaraçado pelo próprio TSE. Não é, assim, admissível que se intimide uma auditoria técnica por meio de investigações criminais com patente caráter de ameaça e revanchismo.

A atitude da Corte, caso seja aceita, simplesmente esvazia o poder legalmente conferido aos partidos políticos de auditamento independente do pleito. De fato, a mensagem deixada pelo episódio é clara: é possível auditar somente se for para elogiar ao final do processo. Contudo, auditamento que tem como único resultado permitido o encômio não se trata de auditamento algum, sendo sua previsão em lei mero “álibi” legitimador.

Cabe ainda mencionar que o processo democrático é um processo em permanente construção. Nele cabem críticas, respostas e debate. A posição da Autoridade Eleitoral quando recebe resultados de um auditamento legalmente assegurado, realizado por grupo sério e encabeçado por corpo técnico, tem de ser caracterizado pela boa-fé: ou seja, cabe ao órgão ouvir de modo receptivo as críticas; examiná-las de modo técnico; e respondê-las mediante razões públicas: seja para adotar alterações seja para rejeitá-las de modo fundamentado.

Por último, é importante registrar que a reação truculenta assistida no caso concreto reforça em alguns e gera em outros a impressão de que o TSE adotou o dogma de que seus sistemas são perfeitos e inexpugnáveis e quem quer que diga o contrário só pode ser alguma espécie de criminoso atuando de má-fé. Isso é inaceitável. Corrói a relação de reciprocidade necessária para edificação de uma democracia saudável e intoxica ainda mais o clima de desconfiança e polarização.

É claro que, após examinar de boa-fé as alegações, se o Tribunal constata que houve uso de falsidades documentadas no relatório, ele pode então promover investigação para averiguar eventual má-fé e responsabilidade. Mas a má-fé dos grupos envolvidos e dos críticos não pode ser pressuposta. Ela só pode surgir como conclusão do exame sereno e aberto das conclusões da auditoria.

No caso, tendo em vista o trabalho dos técnicos que vem se desenrolando desde julho deste ano, com entrega de relatório inicial de mais de 130 páginas, elaborado por grupo capacitado de entidade respeitada, e – segundo alegam os responsáveis – depois de diversas tentativas malogradas de reunião direta com o Tribunal, parece inviável presumir má-fé ou leviandade dos divulgadores do relatório. Tampouco é crível que o órgão eleitoral possa em tão exíguo espaço de tempo ter examinado com elementar boa-fé e, assim, rechaçado de modo minimamente fundamentado por meio de razões públicas as constatações da autoria.

Em conclusão, o que se constata é uma atuação açodada, dogmática e agressiva, que viola prerrogativa legal e busca esvaziar mecanismo de fiscalização do trabalho do TSE. Pior, com presunção de culpa e má-fé, valendo-se de investigação criminal como mecanismo de intimidação sobre o trabalho técnico de entidade capacitada. Por qualquer ângulo que se examine a questão, trata-se de mais uma atuação inadequada do Tribunal, o qual já tem inclusive chamado a negativa atenção da imprensa internacional.

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