| Foto: Fotográfo/Agência Brasil
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Conforme noticiou a Gazeta do Povo, o périplo de medidas heterodoxas do STF no caso Daniel Silveira teve um novo episódio. O ministro Alexandre de Moraes, mesmo após o parlamentar ter sido contemplado com um decreto de graça, aplicou-lhe uma desproporcional multa de mais de 400 mil reais, além de manter uma série de medidas cautelares restritivas (incluindo censura, o que é vedado constitucionalmente) e que nitidamente impedem o livre exercício do mandato, como não conceder entrevistas, não participar de eventos públicos, não ter redes sociais, não circular livremente no território nacional, e manter o monitoramento por meio de tornozeleira eletrônica.

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A decisão, a meu ver, é absolutamente injustificada e ilegal. O motivo é singelo: o indulto individual - em pleno vigor - extinguiu a punibilidade e com isso tornou juridicamente inviável a manutenção de qualquer medida cautelar.

De fato, como já é sabido, o deputado Daniel Silveira foi – a meu ver injustamente – condenado pelo STF no último dia 20 de abril, “a 8 anos e 9 meses de prisão no regime fechado, pagamento de multa de R$ 192,5 mil, além da perda do mandato parlamentar – punição que, para ser efetivada, ainda precisa de aval da Câmara.”

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A atuação do STF, no entanto, foi marcada por indícios de parcialidade e, segundo alguns, até mesmo de perseguição contra o parlamentar, o que estaria refletido na seletividade (pessoas de esquerda que cometeram condutas semelhantes, mesmo sem gozarem de imunidade, e até que já defenderam expressamente o fechamento do STF não responderam penalmente); no açodamento (processo tramitou muito mais rápido do que o normal); na prática constante de ilegalidades processuais; e, na desproporcionalidade da pena aplicada.

Em virtude desses vícios, no dia seguinte ao da condenação, o Presidente Jair Messias Bolsonaro corrigiu a injustiça e, valendo-se de prerrogativa constitucional a ele expressamente garantida, perdoou por meio de um decreto de graça (indulto individual) as penas aplicadas.

Pois bem. No direito penal, o efeito da graça é o de extinguir a punibilidade, consoante o art. 107, II, do Código Penal. Com a extinção da pretensão de punir, desaparece o objeto principal do processo penal (seja do processo de conhecimento, que visa à condenar ou absolver; seja do processo de execução, que visa a aplicar a pena imposta). Assim, simplesmente deixa de existir qualquer direito de punir por parte do Estado.

O efeito da graça, percebam, é exatamente o mesmo do que decorre do cumprimento integral da pena.

Uma vez publicado o decreto, portanto, está extinta de forma imediata qualquer pretensão penal estatal. Isso está absolutamente sedimentado em nosso direito, por meio da posição pacífica (e acertada) da jurisprudência no sentido de que a sentença que reconhece o perdão concedido pelo indulto apenas declara a punibilidade extinta. Ou seja, no jargão jurídico, diz-se que essa é uma decisão meramente declaratória, o que se opõe no caso a uma decisão que fosse de natureza constitutiva (na hipótese, desconstitutiva, para ser mais exato). Isto é, não é a decisão judicial que desconstitui a pretensão de punir do Estado. Quem faz isso é o próprio decreto. A decisão apenas declara que isso ocorreu.

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A consequência prática disso que é a extinção da punibilidade surte seus efeitos desde o dia da edição do decreto.

A jurisprudência, inclusive do STF, é remansosa nesse sentido. Confira os seguintes julgados (entre muitos outros que poderiam ser citados), o primeiro do STJ e o segundo do Supremo:

  • 4. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm o entendimento de que a sentença concessiva de indulto possui natureza declaratória e não constitutiva, não sendo o juiz que o concede, pois tal direito já fora constituído no decreto presidencial, com o preenchimento das condições ali fixadas, razão pela qual a extinção da punibilidade deve retroagir à data da publicação do aludido decreto. (REsp 1824396/CE, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 21/10/2020)

Agora do STF:

  • 3. A sentença que extinguiu a punibilidade em razão da concessão de indulto é de natureza meramente declaratória e seus efeitos retroagem à data da publicação do decreto. (ARE 1.084.494, Relator Min. Luís Roberto Barros, pub. em 18.04.2018)
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Ora, o que se extrai disso é que a punibilidade do deputado Daniel Silveira já está extinta. Ocorre que medidas cautelares são fenômenos instrumentais e acessórios. Eles perdem sua razão de ser quando deixa de existir o principal. Não havendo mais pena a ser aplicada ou qualquer pretensão punitiva, não há mais o que ser acautelado.

Apenas fazendo uma analogia para que isso se torne mais claro para o leigo: se você tem uma dívida e há risco de você dilapidar seu patrimônio a fim de frustrar o credor, o juiz pode decretar cautelares para obstar que isso ocorra. Contudo, se você quita integralmente o seu débito, deixa de ser cabível qualquer constrição sobre o seu patrimônio. Não havendo mais dívida, não pode mais haver cautelares que acautelem o pagamento dela.

Da mesma forma no processo penal, extinta a punibilidade, deixa de ser legítima – e passa a ser flagrantemente abusiva – a imposição de qualquer cautelar.

Frise-se que o decreto de graça do Presidente não foi suspenso em quaisquer das ações de controle concentrado contra ele ajuizadas e tampouco em sede de controle difuso. Logo, trata-se de ato perfeito, válido e eficaz. Seus efeitos estão em pleno vigor, de modo que com ele desapareceu qualquer pretensão penal e, consequentemente, qualquer cabimento de medidas acautelatórias. Saliente-se ainda que o decreto foi expedido dentro dos limites constitucionais e não vejo como poderia o STF derrubá-lo, ao menos não sem trair sua própria - e recente - jurisprudência, o que configuraria patente constitucionalismo abusivo, e teria por consequência a erosão da autoridade constitucional e dos limites do Estado de Direito.