Conforme amplamente noticiado, no último dia 20 de abril, “o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a 8 anos e 9 meses de prisão no regime fechado, pagamento de multa de R$ 192,5 mil, além da perda do mandato parlamentar”.
Como foi também extensamente veiculado, essa sanção foi perdoada pelo Presidente da República por meio de indulto individual (também chamado de graça), determinado em decreto publicado no dia seguinte ao do julgamento.
Nosso intuito é fazer um exame jurídico da graça concedida, até mesmo porque após sua edição grupos de oposição tentaram produzir uma artificial querela acerca de sua validade.
Todavia, creio que a análise do respectivo decreto demanda o exame das circunstâncias que circundaram e permearam o processo e julgamento do parlamentar.
Com efeito, tenho que o que legitimou e viabilizou politicamente a atitude do Presidente da República foi a forte percepção de parcialidade que o STF tem passado há algum tempo. Aliás, essa também foi a compreensão das lideranças políticas, conforme levantamento da Gazeta do Povo.
Por isso, revisitar essas sinalizações da Suprema Corte, as quais vêm erodindo sua autoridade, é fundamental para examinar o decreto em si.
Esse contexto relevante me parece composto, precipuamente, por dois fatores: primeiro, a atuação que o STF adotou contra grupos de direita desde o início do atual governo federal (aliás, já antes disso, o que, no entanto, não abordaremos pois isso tornaria o texto muito longo); em segundo lugar, pela própria conduta do Tribunal durante o caso Daniel Silveira, conduta esta que muitos acreditam ter sido marcada pela parcialidade, a qual estaria refletida na seletividade (pessoas de esquerda que cometeram condutas semelhantes não responderam penalmente), no açodamento (processo tramitou muito mais rápido do que o normal), na prática constante de ilegalidades processuais e na desproporcionalidade da pena aplicada.
Nossa abordagem ocorrerá do seguinte modo: no presente texto, trataremos apenas dos indícios de parcialidade (e, segundo alguns, até de perseguição) do STF contra grupos políticos de direita. No próximo texto, apontaremos as ilegalidades que acreditamos terem ocorrido durante a prisão, as investigações, o processamento e a condenação do parlamentar Daniel Silveira. Por último, faremos um texto à parte cuidando apenas dos aspectos jurídicos do decreto.
Atuação do STF em relação a grupos políticos de direita
O processo e a condenação de Daniel Silveira ocorreram num cenário descrito por muitos como de sistemática perseguição do STF a grupos e pessoas de direita. Essa percepção é bastante difundida e consolidada em amplos grupos sociais. A atuação do Tribunal já levou inclusive o jurista Ives Gandra da Silva Martins a afirmar: “O Supremo se transformou no maior partido de oposição”.
O próprio ministro da Suprema Corte Marco Aurélio, quando ainda em exercício, reconheceu que o STF se tornou um tribunal de boicote ao Presidente eleito Jair Bolsonaro. Disse ele: “o STF está sendo utilizado pelos partidos de oposição para fustigar o governo. Isso não é sadio. Não sei qual será o limite”.
Vale lembrar que a própria composição da Corte, por si só, naturalmente causaria desconforto e ceticismo. Isso porque ela é composta por ampla maioria indicada por grupos políticos de oposição. Se adotarmos a potencial chapa "Lula-Alckmin" como parâmetro de oposição, 9 dos 11 ministros são próximos a esses setores da política. Dois por proximidade com a velha guarda do PSDB e outros sete por afinidade com o PT (ou até militância explícita) . Mas os indícios de atuação parcial não param por aí. Longe disso.
Na verdade, as razões que embasam as alegações de parcialidade e partidarização do órgão são muitas. Como dito acima, mesmo antes do início do atual mandato presidencial, vários grupos já apontavam indícios de captura do tribunal: o próprio perfil dos ministros, alguns com histórico de militância pessoal em favor de partidos de esquerda; as "prioridades" das ações da Lava Jato que corriam perante o STF, parecendo mirar particularmente na oposição ao PT e mais tarde provocando enorme instabilidade após a queda de Dilma Rousseff; a interferência indevida nas regras de tramitação do impeachment; a ações juridicamente questionáveis contra o próprio Bolsonaro enquanto parlamentar, exatamente quando começava a angaria maior relevância etc.
Mas foi realmente depois da eleição de Bolsonaro que os traços de cooptação partidária ficaram mais evidentes. Em primeiro lugar, os ministros desde o princípio fizeram questão de manifestar hostilidade pessoal ao Presidente. Vejamos alguns casos de muitos outros que poderiam ser mencionados. Ainda em 2018, logo após o pleito eleitoral, a ministra Carmen Lúcia falou em mudança "perigosamente conservadora" na política. A mesma ministra mais recentemente, segundo matéria da Gazeta do Povo, assinou "carta pró-aborto com nomes da esquerda". Houve também quem visse "recados" e indiretas de Rosa Weber a Bolsonaro no dia de sua diplomação.
Logo, começou a haver também o uso de votos para ofender o Presidente. Em agosto de 2019, o Min. Celso de Mello usou um voto para proferir críticas pessoais e totalmente desproporcionais ao mandatário. Disse ele: "Parece ainda haver, na intimidade do poder, um resíduo de indisfarçável autoritarismo, despojado sob tal aspecto quando transgride a autoridade da Constituição." No caso, Bolsonaro havia repetido um dispositivo em duas medidas provisórias diferentes, o que o Tribunal entendeu que colidia com o § 10 do art. 62 da Constituição, o qual tem a seguinte redação: " É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada". A assessoria da presidência, no entanto, acreditava que não haveria inconstitucionalidade em repetir um único dispositivo. Ainda que o Ministro discordasse, a reação teve nítidos contornos de agressão verbal politicamente motivada, uma vez que a questão jurídica era trivial e não envolvia qualquer indicativo de autoritarismo.
A partir de 2020, logo após o início da pandemia, num momento em que razões humanitárias sugeriam a preservação da estabilidade, para que o país pudesse fazer frente à pandemia, o STF aproveitou para intensificar as medidas tomadas no bojo do Inquérito do Fim do Mundo, uma aberração que viola todos os corolários do devido processo legal, eivado de inúmeras inconstitucionalidades e ilegalidades. Com base nessa investigação, o STF passou a direcionar várias medidas fortemente invasivas e persecutórias sempre e exclusivamente a apoiadores do Presidente.
Em sua manifestação sobre uma das operações deflagradas no curso desse infame procedimento, o próprio PGR falou no "risco de indesejável fishing expedition", isto é, de “pescaria probatória”, um instituto ilegítimo e ilícito. Na época, Alexandre de Moraes chegou a determinar a quebra de sigilo de dados em período muito anterior ao dos fatos, regredindo as investigações para 2018, período das eleições. A medida, estranhíssima e que não parece fazer sentido sob o ponto de vista jurídico, foi lida como uma tentativa de "pescar" alguma irregularidade na campanha de Bolsonaro a fim de tentar a “virada de mesa”. O TSE mais tarde, de fato, veio a requerer acesso às provas para usá-las em procedimento que visava cassar a chapa eleita em 2018.
Em entrevista concedida no final de 2020, o Ministro Paulo Guedes falou que realmente houve a orquestração de um golpe para derrubar o Presidente no primeiro semestre daquele ano, valendo-se da instabilidade ocasionada pela pandemia. A funesta e antidemocrática iniciativa, no entanto, falhara.
Ainda mais recentemente, o TSE, em decisão com fundamentação insuficiente, utilizou procedimentos eleitorais para sufocar financeiramente a atuação de jornalistas e influenciadores de direita, confiscando integralmente seus ganhos.
Ainda em 2020, o ministro Alexandre de Moraes direcionou um inquérito sobre atos (supostamente) antidemocráticos contra parlamentares apoiadores do Presidente, realizando uma série de quebras de sigilo. Na verdade, ao que se pode extrair a partir do que foi divulgado, houve atos populares multitudinários, com esparsas e raras manifestações de cunho antidemocrático, que foram generalizados por opositores para estigmatizar a manifestação. O direcionamento contra os parlamentares parece ter-se dado simplesmente por sua participação no ato, o que é totalmente infundado.
Mais tarde, efetivamente o vice-PGR veio a promover o arquivamento do inquérito por falta de provas. No curso da investigação, o jornalista Oswaldo Eustáquio foi preso e ficou paraplégico dentro da prisão. Ele diz ter sido torturado.
No seio de algum desses inquéritos, Alexandre de Moraes pediu também a prisão do jornalista Allan dos Santos, o qual, segundo muitos, estaria sofrendo a mais cruel caçada judicial contra um profissional de imprensa desde o fim da ditadura. As medidas que vem sendo adotadas nitidamente tem como efeito submeter o jornalista - pai de vários filhos inclusive, segundo ele, uma menina com problemas médicos que exige tratamentos caros e especiais - a um total estado de penúria.
Quanto ao pleito de sua prisão, ele foi rotundamente ignorado pela Interpol. Ao que tudo indica, a diligência não foi efetivada porque um setor da entidade especializado em identificar casos de perseguição política barrou o procedimento. Frise-se que se trata de instituição cuja seriedade e histórico de cooperação com a justiça brasileira é absolutamente inquestionável. Nenhum outro órgão do Judiciário brasileiro passou por tamanho vexame perante aquele órgão. Na verdade, reações desse tipo por parte da Interpol ocorreram apenas em face de ordens de prisão de tiranias como a Venezuela e a Bolívia. Isso demonstra o tamanho do constrangimento protagonizado pelo STF no episódio.
Um pedido de extradição foi apresentado no mesmo contexto aos Estados Unidos. Mesmo em se tratando de uma democracia consolidada e amiga, o requerimento foi igualmente ignorado. Esses fatos tornam muito difícil sustentar que a perseguição ao jornalista seja juridicamente justificada.
Por casos desse tipo, o Supremo Tribunal Federal já coleciona contra si denúncias perante o sistema da Corte Interamericana da Direitos Humanos e a Organização de Estados Americanos, por alegadas violações a direitos humanos sempre contra pessoas e grupos de direita.
A militância com forte viés político dos ministros também já ocorreu fora da atuação jurisdicional. Em troca de mensagens privadas, o Ministro Celso de Mello comparou Bolsonaro com Hitler. Eventos oficiais, palestras e entrevistas também passaram a ser utilizadas para atacar o Presidente da República.
Esses, basicamente, foram alguns dos principais fatos que delinearam o contexto mais amplo em que ocorreu o processamento e a condenação do deputado Daniel Silveira, conhecido apoiador do Presidente da República. No próximo texto, iremos abordar as ilegalidades ocorridos no processo específico do parlamentar e que acreditamos que também foram cruciais para legitimar o decreto de graça. Num terceiro texto, analisaremos juridicamente o indulto em si.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS