No último domingo, dia 8 de janeiro, o Brasil assistiu, tenso e estarrecido, um enorme ato de vandalismo contra a sede do três poderes da República na capital federal. No dia seguinte, este jornal Gazeta do Povo, publicou excelente editorial sobre o fato, de modo que eu nada teria a acrescentar a ele.
Gostaria aqui apenas de dar uma contribuição pessoal, baseada em um texto de que gosto muito e que creio ser útil no presente momento:
"Não levante a voz, melhore o argumento".
A frase é de Desmond Tutu, arcebispo anglicano que teve papel relevante na luta contra o apartheid na África do Sul e na conciliação nacional após abolição do regime. Por esse motivo, foi agraciado com o Nobel da Paz de 1984.
Não podemos nos render à tentação da violência ou do desejo de regimes de exceção. Pelo contrário, é necessário desenvolver a capacidade de expor argumentos de modo preciso e assertivo.
Acredito que esse pensamento se aplique bem ao momento, porque há muitas pessoas descontentes com vários fatos da vida social do país, e muitas vezes esse descontentamento é fundado. Inclusive, com a atuação de órgãos de Estado ou com os poderes da República. E é sempre possível tecer críticas fundadas. Aqui mesmo nesta coluna, muitas vezes, apresentamos críticas a decisões judiciais e ações estatais que consideramos equivocadas.
Contudo, não podemos nos render à tentação da violência ou do desejo de regimes de exceção. Pelo contrário, é necessário desenvolver a capacidade de expor argumentos de modo preciso e assertivo. Nossas críticas têm de ser intelectuais e bem fundamentadas. Além disso, devemos buscar reações institucionais, e não da turba.
Sei que por vezes pode nos abater a tentação do desânimo ou a impressão de que ninguém nos escuta. Mas nós temos de manter acesa a confiança na racionalidade e na boa-fé dos demais. Lembre do pensamento acima: se você acha que os problemas do Brasil estão durando demais, imagine o que é permanecer por décadas em um regime tão injusto como o apartheid.
Compete-nos o esforço para fazer a coisa certa; se dará certo, dependerá de fatores que por vezes ultrapassam as nossas forças.
Na construção de um país com alicerces éticos e políticos sólidos, deve-se ter a perspectiva de décadas e até de séculos. Não é o fim do mundo perder ou não ser ouvido hoje.
É preciso primeiramente tecer críticas, apresentar argumentos e propor soluções. Se não há resposta institucional imediata, é preciso verificar se estamos mesmo com razão, fazer autocrítica, e reexaminar se apresentamos realmente o melhor arrazoado. Por fim, se estamos confiantes do acerto e ele não é acatado, cabe-nos contar a história e projetar as mudanças em um prazo mais longo, cientes, de toda forma, que a vida e o aperfeiçoamento das instituições e da sociedade sempre serão tarefas inacabadas.
Compete-nos o esforço para fazer a coisa certa; se dará certo, dependerá de fatores que por vezes ultrapassam as nossas forças. Ademais, temos de estar convictos de que a semente do bem e do bom argumento plantada hoje têm eficácia longínqua e duradoura. Nunca sabemos o alcance real das boas ideias que plantamos.
Sinto enorme tristeza de que, em virtude dos atos de brutalidade praticados por uma minoria irracional no último domingo, muitas críticas coerentes e pessoas habilitadas e aptas a darem uma contribuição para a sociedade caiam no descrédito. De todo modo, nunca é tempo para desesperar. Cabe-nos começar e recomeçar, retomando o propósito construtivo.
Encerro com um trecho da imemorável obra O Senhor do Anéis, a qual por acaso estou relendo nestas semanas. O personagem Frodo, um pequeno Hobbit encarregado da pesada tarefa de destruir um anel altamente sedutor, logo após ser informado do mal que se avizinha, declara ao seu mentor, o mago Gandalf:
“Gostaria que isso não tivesse acontecido na minha época – disse Frodo”.
Ao que ouve a seguinte resposta: “Eu também – disse Gandalf. Como todos os que vivem nestes tempos. Mas a decisão não é nossa. Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado”.
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