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No início de abril deste ano, conforme noticiou a Gazeta do Povo:
“(...) Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu (...) que o aborto seria ‘uma questão de saúde pública’ a que ‘todo mundo teria direito’ (veja o vídeo aqui). A opinião do político não é novidade, mas até agora não estava sendo mencionada pela tentativa do PT de se aproximar de eleitores cristãos, principalmente evangélicos.”
Segundo a reportagem, a fala foi fortemente repudiada por lideranças humanistas, como a ex-Ministra dos Direitos Humanos Damares Alves, e entidades jurídicas respeitadas em todo país como a ANAJURE e o IBDR.
Publicamos artigo nesta coluna poucos dias após o fato, no qual expusemos o seguinte comentário:
“A liberação do aborto (...) constitui uma péssima política pública, visto que se trata de prática moralmente vil, juridicamente infundada e humanamente perniciosa. É até verdade que ele constitui uma questão de saúde pública. Contudo, não se trata de uma questão tão só e exclusivamente de saúde pública, mas também de justiça penal. As razões para essa conclusão são, em apertada síntese, as seguintes:
- a) trata-se de conduta moralmente gravíssima e injusta, a qual deteriora o bem comum e, portanto, deve ser desestimulada pela legislação por meio de sanções proporcionais à sua elevada gravidade;
- b) juridicamente, a tutela penal da vida intrauterina é uma opção eficiente e adequada;
- c) a prática do aborto é humanamente trágica, também por força de suas consequências nefastas para aqueles que a praticam.”
Naquele texto, foquei no primeiro ponto: por que o aborto é moralmente vil e prejudica o bem comum, o que justifica que a sociedade, por meio do Estado, não o trate apenas como questão de saúde pública ou direito individual, mas como questão de interesse público para defesa da vida inocente e indefesa por meio de sanções penais proporcionais à sua gravidade. Naquela oportunidade, além de analisar esse ponto com certa extensão, indicamos algumas obras complementares sobre o assunto no texto que você pode acessar aqui.
Agora, no presente artigo, gostaria de mostrar alguns dados sobre o segundo ponto, isto é, sobre a eficácia da criminalização do aborto para proteger a vida indefesa e inocente durante a gestação.
Com efeito, um dos argumentos mais suscitados contra a tutela penal do direito à vida intrauterina é o de que a criminalização das práticas abortivas seria inócua, irrelevante, ineficiente. Dizem os abortistas que, havendo ou não proibição legal, os casais que pretendessem abortar, fariam-no de um modo ou de outro. A “prova” seria que, mesmo sendo o aborto previsto como crime no Brasil, ele não deixa de ocorrer.
Bom, realmente, a vedação legal ao aborto não é capaz de evitar todos os casos de abortamento, e assim salvar a vida de todos os seres humanos em fase gestacional. Todavia, se esse fosse um motivo razoável para desacreditar da importância da tutela jurídico-penal da vida intrauterina, todos os delitos deveriam ser revogados. Isso dado que o direito penal também não é capaz de evitar todos os homicídios, estupros, latrocínios etc.
Não obstante, o que ocorre é que – ainda que não de modo absoluto, obviamente – a tutela penal é sim capaz de reduzir a incidência das práticas previstas na legislação como crime e contra as quais impõe sanções adequadas.
Não é à toa que, ao contrário do propalado por grupos de pressão e lobby favorável ao aborto, os números demonstram que a criminalização deste último reduz sua ocorrência, com consequente preservação de número significativo de vidas humanas.
É verdade que existe uma certa "guerra de números", na qual os defensores do aborto, por meio de contabilidade criativa e argumentos forçados, buscam sustentar que a criminalização do aborto seria ineficaz para prevenir sua prática. Para tanto, em geral, buscam comparar a quantidade de abortamentos entre países de dois grupos: 1) primeiro, daqueles em que o aborto é penalmente vedado; e, 2) depois, nas nações em que tal conduta é permitida. Tentam, então, concluir que, por vezes, neste último grupo há menos casos de aborto.
No entanto, essa metodologia é falha por dois motivos. Primeiramente, não existe segurança acerca do quantitativo de abortos nos países em que a conduta é criminalizada, uma vez que praticada na clandestinidade. Isso permite que esses dados sejam artificialmente hipertrofiados. E de fato é o fazem os grupos militantes.
Um exemplo: no Uruguai, antes da liberação do aborto, falava-se em até 55 mil abortamentos por ano. Após, ativistas passaram a trabalhar com o número de 33 mil. Com a legalização, no primeiro ano houve pouco mais de 6 mil. Ou seja: os números chegaram a ser inchados em quase 10x. Outro caso, o da Argentina, país que também sofreu com recente retrocesso em termos de proteção da vida: militantes pró-aborto "estimavam" quase meio milhão de abortos anuais no país. Após a liberação, foram pouco mais de 32 mil no sistema público durante os primeiros 11 meses.
Em segundo lugar, mesmo que se utilizem dados realistas, essa sistemática pode acabar deixando de lado outras variáveis importantes. O jornal americano pró-aborto New York Times, por exemplo, publicou matéria em que compara Uganda (onde o aborto é proibido) com os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental. Isso obviamente desfigura a análise, por deixar de lado variáveis como renda, nível educacional, acesso a métodos de planejamento familiar etc.
Por isso, a melhor metodologia para examinar a questão parece ser a seguinte: averigua-se o número de abortos no primeiro ano após sua legalização (primeiro ano em que a prática não ocorrerá na clandestinidade, sendo possível levantar números oficiais); e então observa-se se esse número cresce acima da taxa de crescimento da população nos anos seguintes. Se isso ocorrer, há indícios de que a legislação permissiva acabou impactando e estimulando o comportamento.
Pois bem. Utilizando essa metodologia, é perceptível que países que legalizam a prática apresentam tendência de incremento nas taxas de abortos efetuados.
Voltando ao caso do Uruguai, no primeiro ano após a legalização, que ocorreu em 2013, houve pouco mais de 6 mil abortamentos no país, sendo que no primeiro mês tinham ocorrido apenas 200. No segundo ano, o número já deu um salto de 20%. No terceiro ano, novo aumento de 9%. Os números de 2018 já indicavam um aumento total de 49,3% em relação ao primeiro ano, passando da marca de 10 mil vidas humanas ceifadas de forma injusta por meio do aborto.
Veja o gráfico elaborado pelo site Estudos Nacionais, construído com base dos números oficiais do Ministério da Saúde daquele país:
Nos Estados Unidos não foi diferente. Lá o aborto foi liberado nacionalmente mediante decisão ativista da Suprema Corte invadindo atribuição dos representantes do povo no Poder Legislativo, no caso Roe Vs. Wade. Mas antes disso, desde 1970, quando alguns Estados (Nova Iorque, Havaí, Alaska e Washington) liberaram pela primeira vez o aborto sem exigência de requisitos, mediante simples pedido, o número de abortos já vinha crescendo.
De fato, em 1970 foram cerca de 190 mil. Em 1973 a trágica marca já atingiu o patamar de mais de 615 mil. E o número não parou de subir, como pode ser visto no gráfico abaixo, em que a coluna da esquerda aponta o ano; a do meio, o número absoluto de abortos; e a da direita, a proporção de abortos para cada mil nascimentos:
Após mais de uma década o número cessou sua trajetória ascendente e ficou quase estagnado. Em 1990, mais um triste recorde em números absolutos, ultrapassando um milhão e quatrocentos mil abortos.
Em 1992, a Suprema Corte no caso Casey v. Planned Parenthood decidiu que os estados podiam impor restrições administrativas – embora não penais – a práticas abortivas (como exigência de consentimento esclarecido, com exposição de informações sobre um aborto aos que procurem esse serviço; notificação dos pais caso menores de idade solicitem aborto; imposição de períodos mínimos de espera após o pedido etc.). Desse ano em diante,então, vários estados passaram a criar e reforçar a aplicação de leis antiaborto, de modo que o número voltou a cair, muito embora sem jamais voltar aos patamares prévios à descriminalização.
Fenômeno semelhante ocorreu na Austrália, onde o aborto é liberado desde 1970. Em 1985, foram executados cerca de 66.000 abortos. Esse numero saltou para 71.000 em 1987; 83.000 em 1991; 92.000 em 1995, e 88.000 por ano até 2002.
A mesma tendência pode ser constatada, ainda, nos exemplos da Espanha, Inglaterra ou Suécia.
Após várias décadas, o número de abortamentos acabou se estabilizando e até tendo certa queda em alguns casos, mas nunca retornando ao patamar anterior à legalização. Essa estagnação ou pequena redução muito provavelmente deveu-se à evolução nas outras variáveis mencionadas: renda, escolaridade, acesso a novas tecnologias etc.
Um outro mito relacionado a isso é o de que ocorreriam no Brasil mais abortos do que em países em que ele é liberado. Em regra, isso passa longe do que mostram os dados. Com efeito, mesmo o Brasil apresentando fatores que impactam negativamente sobre o número de abortos (como renda, escolaridade, acesso a tecnologia etc), ele apresenta proporcionalmente 10x menos abortos do que a França; 8x menos do que a Suécia; e, 4x menos do que Inglaterra ou Japão.
Para aqueles que se interessam pelo tema, inclusive, deixo como sugestão de fonte o sítio Johnston's Archive, o qual compila dados confiáveis de números sobre o aborto no mundo em vários países.
Frise-se que além do empirismo, é possível apontar ao menos três razões teóricas pelas quais as práticas abortivas experimentam redução quantitativa quando penalmente proibidas:
- a) Primeiramente, muitos cidadãos extraem seu código de ética e conduta pública da própria legislação, utilizando-a em grande medida como marco das ações que julga dever ou não realizar. Para esse cidadão que vê no cumprimento da legislação uma virtude cívica e, portanto, uma obrigação moral, a legislação penal acaba bastando por si só para desincentivar as práticas previstas como criminosas. Por outro lado, para essas pessoas, a simples liberação legal representaria o desaparecimento de um impeditivo de consciência.
- b) Em segundo lugar, mesmo para o cidadão que não se vê moralmente compelido pela legislação, a possibilidade de punição é vista como um custo para a prática criminosa. Como já demonstrou o economista prêmio Nobel Gary Becker, o cálculo para a realização de uma ação é em grande medida um cálculo racional: as pessoas preveem um benefício de suas ações. E examinam se esse benefício supera os custos. A previsão de algo como crime, e portanto como passível de aplicação de sanções, é uma técnica de elevação desses custos, fazendo com que a conduta seja evitada em maior medida.
- c) Por fim, a criminalização do aborto ajuda a manter presente a consciência de que o nascituro é um ser humano digno de proteção. Com a descriminalização, a noção da dignidade da vida humana em fase gestacional cai em processo de esvaimento.
Com isso, percebe-se que – assim como acontece em relação a outros delitos – a criminalização do aborto, ainda que insuficiente por si só para zerar sua prática, é um instrumento eficiente para reduzi-la. Consequentemente, pode-se concluir que a criminalização do aborto é um mecanismo relevante para salvar a vida de seres humanos em gestação.
Importante, porém, registrar que a criminalização do aborto não é uma panaceia: é fundamental melhorar o acesso aos serviços de saúde e sua qualidade, bem como prover uma rede adequada de apoio psicológico, legal e material para gestantes, e de suporte para casais em situação de vulnerabilidade.
Dito isso, em texto futuro, verificaremos mais dois pontos importantes relativos ao aborto: as consequências psicológicas e espirituais desastrosas para quem o pratica; e, se as sanções previstas na legislação brasileira hoje são proporcionais.